
Capa da edição brasileira
Em um dos seus passeios pelo Rio de Janeiro, o jovem Charles Darwin estacou diante da paisagem e escreveu em seu Diário do Beagle: “Desta elevação, a paisagem atingiu seus matizes mais brilhantes. Não sei que epíteto tal cena merece: linda é muito pouco; cada forma, cada cor é um exagero tão absoluto do que já se contemplou antes…” (p.89).
Fiquei tentado a sussurrar no ouvido do naturalista: que tal exuberante? Afinal, ele mesmo notou o excesso do cenário ao escrever a palavra exagero.
Segundo o Houaiss, exuberante vem do termo latino exuberare, “no sentido de ‘extravasar, transbordar, abundar’ […]”. Uma cena exuberante é cheia, farta, abundante, viçosa e vigorosa. Transborda, derrama-se.
No seio da palavra, você deve ter reparado, raro leitor, num radicalzinho vital: uber–. Sim, peito, teta; nos quais todos os bem-aleitados e aleitadas mamamos. Exuberante é algo que jorra do úbere. Abundantemente.
E o precipitado leitor, antes que eu prossiga digitando, grita do outro lado do ecrã: – O radical bund-, de bunda, eu vi antes! Tá ali, bem no meio de abundantemente! Célere engano, ansioso leitor. O radical, nesse caso, esconde-se entre as ancas da palavra: und–.
Onda de palavras
Discreto mas fecundo, esse radical habita uma multidão de palavras. Pudera, significa nada mais nada menos que “água em movimento”. Onda. Aparece em inundar, que significa “cobrir-se de água”. Obra e graça do prefixo in-, que leva a onda pra dentro. Abundar joga a água pra fora, pois o afixo ab- tem o sentido de afastamento. Mas quando algo inunda, entra tanta água, que tudo acaba transbordando. Ponto em que as duas palavras se encontram e viram sinônimos, como você, paciente leitor, poderá verificar nos melhores dicionários da praça.
Há palavras engraçadas, como undícola, o cara que vive na água (quem?), vizinho lexical do nosso silvícola, o bravo e perseguido homem que vive na selva (por causa do silva)
Mas o risco é escrever sem parar e afogar o leitor numa onda interminável de ideias repetidas. Ser redundante. Encharcar o papel de palavras, pois redundante leva o gremlinzinho lexical und– dentro dele. Não sou eu quem digo, é o Houaiss: “donde redundans,antis ‘trasbordado, que reflui, cheio de, farto de; superabundante, redundante’ “
Pois é meu caro, Darwin, sendo redundante, o Rio de Janeiro é exuberante (ainda).
Delícia de texto… e aprendi um montão meu caro Genão.
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Obrigado, Bia! Espero não decepcioná-la nos próximos.
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Ótima! Adorei. Vou usar esse UND.
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use e abuse! Legal que vc gostou!
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