Meu 2020 abriu o bico. Não no dia primeiro, mas na segunda semana de janeiro.
Estava no escritório quando estalidos no vidro ouvi. (Soava tudo meio como o I-Juca Pirama). Eram bicadas. Em tupi.
Virei o pescoço na direção das pancadas e vi o pássaro admirável.
Um tucano.
Solto, livre, dando um tempo no parapeito da janela. Um extraterrestre verde e cabeçudo me espantaria menos.
Olhava pro bicho e me perguntava: É belo ou assimétrico? Ou belo, apesar de assimétrico? Ou belo, porque assimétrico? Ou assimétrico, por isso belo?
Um tucano enxovalha os adjetivos.
Mas o que queria ele naquela manhã esmeralda, aqui, no remoto bairro curitibano do Pilarzinho ?
Entrar?
Procurava o quê? Um livro?
Alguma obra que explicasse a sua milagrosa arquitetura? Ou estava atrás de saber o que maldiziam dele aqueles sujeitos envolvidos em grossos e volumosos panos, montados em altas e esguias antas, que andavam pelas matas do Brasil uns 500 anos atrás, chalreando uma língua estranha? Sabia que o chamavam de ranfastídeo e por isso bicava por vingança? Sobrara pra mim essa vindita?

Tratados da Terra e Gentes do Brasil, de Fernão Cardim (c.1583-1601)
Bicou mais uma vez, mais outra e outra até que entendi: não queria entrar, me chamava pra sair.
Me chamava pra voar com ele nas asas daquele dia transparente. As laudas de revisão largar?, o controle de alterações do Word desativar?, o plano de aula de língua portuguesa rasgar?, a aba do Houaiss fechar e me jogar?
(No caso são seis metros de altura da janela até o chão, caro leitor, cara leitora.)
Eis o que ouvi do seu chalrear (ou grasnar, ou palrear ou…):
“– Vem, venha!
Desengonçado que seja.
– Vem, venha!
Nem os óculos pega.
– Vem, venha!
Ignora o bancário saldo.
– Vem, venha!
Os alunos? Larga.
– Vem, venha!
Defenestra-te do Instagram.
–Vem, venha!
Liberta-te do Google.
– Vem, venha!
Ignora os hipermegaconglomerados heteromidiáticos do Vale do Silício!
– Vem, venha: 2020, 0202, 2002, 2200, 0022…!”
Aos poucos, as palavras se desfizeram até silenciarem. Despertei num salto e ouvi a última bicada antes do ranfastídeo se mandar.
Atordoado com aquele grasnatório tupi-bacharelesco, me pus a pensar: seria uma mensagem cifrada (ou chalreada, ou grasnada ou…)? Algo como: pula fora, que este ano não vai ser fácil!
Seria isso, caro leitor, cara leitora?
Pondo as barbas (ou o bico) de molho, desejo-lhes, caros leitores, caras leitoras, um bom retorno ao Corrida Letra e um Efzil 0202!
*A foto do Tucano foi tirada por Maria Adriana C. Cappello
Lindo retorno, feliz 2020
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