Não gosto de barulho. Nem por isso deixaram de parir mais um por estas bandas do Pilarzinho. Ou melhor, reciclar: o ruído é o mesmo; a função, outra. É a recém-batizada por mim buzinaplauso ou buzina-aplauso – aglutinada ou com hífen, como preferirem.
Explico. Converteram a Pedreira Paulo Leminski num draivinzão. Um público a quatro rodas assiste a shows, missas, bingos e sabe-se lá mais o quê. Ao final de uma canção ou incentivados por algum profeta do apocalipse-in, os humanoides atocham as trombetas dos carros sem dó. Da vizinhança, sobretudo.

Pedreira draivinizada
/Foto extraída da página XV Curitiba
Por sorte, ocorrem só às noites, nos fins de semana. Nos outros dias, o que mais tem por aqui na primavera são as cigarras no final da tarde, os latidos e uivos de cachorros e um vozerio variado de aves. Há o piado metálico do guaxo, o chalreado dos tucanos, as muitas melodias dos sabiás, os diferentes cantos das gralhas de crista e o pio engolido do casal de jacus que transita entre o meu quintal e o terreno-mata do vizinho.
O som das cigarras provoca um transe. Ora carrega-me pra Itanhaém, praia da infância, onde elas enxameavam; ora eletriza o ar numa voltagem-nirvana que ajuda a anestesiar-me o ego.
Os cães têm um vasto repertório. Numa taxionomia rasteira, divido os latidos em dois: há os rápidos e agudos, que deduram um intruso invisível; há os mais graves, que saem a reboque dos latidos dos colegas de bairro, visando um alvo aleatório.
Os uivos, adoro. Um canídeo qualquer começa a uivar, logo os mais próximos replicam, em seguida a vizinhança canina solidariza-se e daí a pouco ouvem-se uivos a quadras de distância do Uivo original. Dizem que comunicam algo. Pode ser o sofrimento de um deles, ou o aviso de um nascimento, um casamento ou, quem sabe, uma fofoca forte.
Tem os carros alto-falante. O dos ovos, nos finais de semana, com trilha sonora imbatível; o dos sonhos – um clássico curitibano equivalente ao da pamonha paulistano; e de raro em raro visita-nos o correto carro da reciclagem de óleo de cozinha. Até hoje não incomodaram, nem pelo volume, nem pela insistência; vêm e vão cantarolando suas mercadorias pelas ladeiras do Pilarzinho.
Veículos educados, antípodas do público pedreira que criou a buzinaplauso. Esta há de ser um modismo, um neologismo inerme, sem forças pra gravar seu desagradável ruído num verbete de dicionário.
Mais um texto que nos faz viajar desde lugares campestres, com sons inconfundíveis e agradáveis, até a parafernália dos tempos de pandemia. Quando pensávamos que muitas das mudanças dessa praga, seriam para aproximar os humanos da natureza, estes ruídos anunciam que não. E você, com maestria e erudição faz um retrato dessa nova condição. Parabéns pela crônica. Sensacional. Abraços
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serzinho difícil este humano, não é? Mas vamos em frente, com menos barulho e mais sons. Forte abraço e obrigado!
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Sei o que você está sentindo com a barulheira do draivinzão do Pilarzinho. Você sabe, moro na famigerada Vila Madalena em Sampa e não consigo me acostumar com a pagodeira. Mas adorei os sons dos bichos, cães e aves harmonizando as ladeiras do seu Bairro e fiquei com inveja . Linda crônica meu poeta, me orgulho de você.
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Comparado à Vila Madalena, o Pilarzinho é um convento. Poeta aqui é você, sou mero cronista.
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