De galho em galho

Ouvi um estalido. Outro. E um ploft! em caixa alta. Olhei pela janela e vi um senhor galho caído sobre a cerca do terreno. Desbeiçou o emaranhado de arame que grampeia o limite de nossa propriedade. Demoramos para tirá-lo dali. Teve de esperar a passagem de 2020 para 2021, até conseguirmos aterrissá-lo definitivamente. Parte dele foi usada para formar degraus no nosso jardim. Tocos menores um dia conhecerão o fogo, quando o rigoroso inverno curitibano chegar.

Galhos caem dia sim dia não por aqui. Nem sei se isso lhe interessa, cara leitora, caro leitor, mas às vezes somos apanhados de surpresa e obrigados a recolher o tema que tomba à nossa frente. Daí, o jeito é dar forma e conteúdo a ele. O que nem sempre rola. Muitas vezes, o assunto morre na raiz, nem chega a pôr os brotos pra fora. Já me peguei esgalhando um assunto, podando os excessos, arredondando as pontas, quando um outro tema irrompe e amarela aquele em andamento.

E agora eis-me com este galho oscilando na tela. E antes que me corrijam, tomo por galho tanto o que encontramos seco, no chão, quanto o que randomiza no alto das árvores expandindo-lhes o horizonte. O Houaiss abona.

Ramos e Galhos em diversos ângulos/ Pilarzinho, Curitiba / Foto minha

No Pilarzinho, há-os de sobra. Acima de nossas cabeças, acendem as copas da árvores. Jogam-se no ar, abrindo-se como um leque elétrico.

Na generosa mata aqui ao lado, há-os verticais, quase. Um ramo vem brabo na horizontal. Um galho desponta dele, não em uma inclinação suave, em 160 ou 140 graus, mas quase a 90. Tudo pra chegar à luz. Não que a árvore seja crente ou devota. Creio serem ateíssimas. Espigam-se assim porque na mata o lugar ao sol é osso. A saída nem sempre é à esquerda, mas pra cima. Verticalíssima.

E há os belos, mesmo no chão. Aprontaram uma linda árvore de Natal aqui em casa com um galho seco de aroeira. Bolas e luzes fizeram as vezes das folhas. Deixaram mais alegre a festa em ano tão melancólico.

Buraco na calçada no cruzamento da rua Nilo Peçanha com a Dona Branca do Nascimento/ Foto minha.

Mas não só das aroeiras despencam os galhos aqui no extremo norte curitibano, despencam também das bracatingas, das canelas, das pitangueiras, dos araçás — essas árvores sem status, coadjuvantes da imponente araucária. Coadjuvantes pra você, injusto leitor, injusta leitora. Pra mim elas são o móvel das matas curitibanas: albergue dos animais silvestres ignorados pela cidade; restaurante 24 horas de gralhas, guaxes, jacus, sabiás, sanhaços e tucanos — além de comoverem-me como o diabo por sua discrição, resistência e humildade.

E ainda ajudam os incautos. Há poucos dias dei com um galho espetado num buraco, na calçada do cruzamento das ruas Nilo Peçanha e Dona Branca do Nascimento Miranda. Elevava-se no asfalto do pavimento público poupando de acidentes pés, tornozelos e pernas do pedestre distraído. Aposto que ele ainda estará lá quando você estiver lendo este texto. Não como uma flor no asfalto, mas como uma frase escrita às pressas, alertando-nos para não nos quebrarmos antes da hora.

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