Não, caro leitor, cara, leitora, não é um erro de revisão. Você leu Opilião. A linha nervosa do corretor ortográfico sublinha a palavra mal acabo de digitá-la. Quer porque quer trocá-la por opinião. Não é que eu não tenha uma, tenho-as, muitas, ainda mais neste tempos de pandemia e de um presidente inominável no poder. Mas resigne-se, agora é hora do casal Opilião.

Com 400 milhões de anos no currículo, um casal desses artrópodes me visitou noites atrás. Considero uma honra. Nem nosso mais remoto parente arrastava-se por este planeta quando esse curioso inseto deixava espaçadas pegadas pela Terra. Não conhecia esse espécime, nem meu corretor ortográfico, como já disse. Quatro centenas de milhão no anonimato requerem muita discrição, imagino.
O opilião parece uma aranha. São parentes, mas diferem-se porque a cabeça do opilião cola-se no tórax. Parece uma balalaika ou um bandolim sem o braço. Mas com oito longas pernas. Aliás, foram estas que inspiraram-lhe o nome. Veio de uma palavra latina que designava “pastor de ovelhas”, segundo apurei. Apurei também que os pastores subiam em pernas de pau para contabilizar o rebanho (confesso que a explicação não me convenceu) ou escalavam colinas onde o avistassem bem. Por serem pernalongas, nosso inseto levou esse simpático e estranho nome.

Mas o plus desse matusalêmico aracnídeo é o seu bodum. Carrega uma pochete nas pernas onde guarda substâncias malcheirosas focadas em espantar os algozes. Esse viés de sua personalidade lhe valeu nomes menos eruditos, como aranha-bode e aranha-alho.
Felizmente eu os recebi bem, senhor e senhora opilião. Tiramos fotos, lhes pedi apenas, com um graveto na mão, para não degustarem a ração dos meus cães. Repasto, diga-se, disputado pelos mais diferentes animais que andam pelo meu quintal. Do jacu ao grilo — e agora, o opilião.
Da próxima vez que encontrar o casal, vou ter uma conversa com eles. Sabendo da sua longevidade na Terra e de que contam com mil espécies só no Brasil, pensei que poderiam juntar essa galera e fazer uma visita ao Palácio do Planalto e soltar em coro as benzoquinonas, os fenóis, as cetonas, os álcoois e os terpenoides que armazenam em suas pochetes. Com isso, botariam pra correr o anopluro que num momento de alucinação eleitoral foi posto lá para nos destruir.
Aguardo outra visita ansiosamente.
Anopluro, não conhecia esta palavra. Adorei a crônica Genius
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Vc, como eu, está fixado no infeliz…
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contamina tudo, o belzeba, mas é isso, o mal é poderoso. Mas o veremos cair, brevemente ou não. Besos.
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nem eu, mas o canalha nos obriga… Saudades, minha amiga!
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Enquanto o “homem” citado por você distrai a plateia, outro faz subir o dólar para valorizar suas contas nos paraísos fiscais. Esses sim são os malcheirosos. Não é o pobrezinho do bichinho, não.
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o cheiro do bichinho serve para protegê-lo de nós, o mau cheiro da gente cujo nome e impronunciável é o sinal do apodrecimento do caráter deles. Forte abraço.
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Encontrei uma dessas aranhas em casa esta noite, fui pesquisar a respeito. Foi onde encontrei vossa reportagem, muito informativa e interessante, com palavras rebuscadas quais me obrigou a procurar em um dicionário. Há tempos não leio textos com ótimo português e palavras que fazem utilizar parte esquecida do cérebro. Parabéns!! Obrigado por me lembrar que ainda existem pessoas inteligentes no mundo!!
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Fico feliz que tenha gostado do texto, Leopoldo. Se quer saber um pouco mais dos artrópodes, leia o Recado da Primavera. Lá narro um encontro com uma phoneutria.. Abraço
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Ela é venenosa?
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Não, a defesa do opilião é o mau cheiro que ele solta quando sente-se atacado.
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