BBB? SQN

Apelei e fui às ruas. Cansado de arrancar assunto de pedra fui dar um rolê no calçadão da XV pra caçar o que escrever aqui no Letra Corrida. Chega de percorrer as esquinas bolorentas dos meus lobos cerebrais, enfiar-me pelas vielas escuras do córtex cerebral e calcinar meus neurônios para emendar um punhado de frases que entretenham o leitor e a leitora e os ajudem sair da zona de desconforto covídico.

Peguei o carro para chegar ao Centro. E antes de sair a pé até a XV, tive de fazer um up grade ao estacionar. Há meses sem ir ao Centro de carro, obsolesci. Na capital do Paraná, o cartão de estacionamento, o Estar, virtualizou. Migrou para o épi da prefeitura. Mais uma ação cotidiana sequestrada pelo primeiro comando digital. Passei os olhos nas instruções. Baixei o aplicativo e inseri créditos. “Tá tudo certo”, achei. Só que não. Era pra eu ter preenchido uma miniplanilha com os dados da placa próxima ao carro. Devo ter levado uma multa.

Mas voltemos ao centro, mais especificamente para a rua Ébano Pereira, a via que encontra o início do calçadão. Mal pus os pés na Ébano, deparei com a BBB, a Bom Bonito & Barato. Uma loja com letreiro branco sobre fundo azul. Promessa de tudo de bom. Só que não. Estava fechada. Claro. Na pandemia, os itens bons e bonitos devem ter ido para o brejo; e o adjetivo barato, com o dólar em Plutão e o desemprego nas galáxias, virou um cultismo.

Na Cândido Lopes, última paralela antes da XV, dobrei à esquerda para pedir um exemplar impresso da Helena e do Cândido na boa e bonita Biblioteca Pública de Curitiba. Criadas pelo incansável Rogério Pereira, ex-diretor da biblioteca, são publicações adoráveis. Mas, claro, o edifício estava fechado e os periódicos, agora, só os encontramos, adivinhem!, na versão digital.

Resolvi me jogar logo no calçadão. Só que não. Antes tive de driblar um misto de profeta falastrão com pinguço bíblico. Com um frasco de corote na mão, pontificava naquela língua do Espírito Santo ou num dialeto boteco-babilônico. Quis chegar mais perto para ouvi-lo, mas recuei pois a máscara cobria-lhe o pescoço. Ele não parecia bem e isso não é bom, nem bonito.

Drible dado, cheguei finalmente ao calçadão. Não demorei pra perceber uma nova categoria de citadinos, os rinocidadãos — senhores acima de 45 anos com narizes à flor do rosto, brotando pra fora das máscaras. Boa parte deles concentrava-se na conhecida Boca Maldita. Ou Nariz Maldito, dado o cenário. Creio acharem belas suas fossas nasais. Pra mim, isso não cheira bem. Melhor seria denominá-los rinoplanistas ou narinoplanistas.

Em seguida, topei com um homem estátua. Ou melhor, com o surfista prateado, imóvel. Nada mais adequado. O herói solitário, isoladaço, viajante das galáxias. Achei uma boa escolha. Pinguei dois reais na caixinha prateada dele. Ele se mexeu e me devolveu um papelzinho com um versículo bíblico. Não li e lastimei que até ele, o herói intergaláctico, tenha sucumbido à pregação cristã. Bom isso não é. Nem bonito. Seria barato?

Trajeto da Ébano Pereira para o Calçadão da XV, conhecido também como rua das Flores /Google maps

Mas o jazz dos músicos no quarteirão seguinte me recolocou no mundo em que me entendo e minhas pernas soltaram-se e vararam o calçadão até a Monsenhor Celso. Os guaranis que costumam ficar nesta esquina com seus cestos e balaios coloridos não estavam por ali. Desanimei. Subtraí de novo o bom, bonito e barato. Virei a esquerda em direção à praça Tiradentes, e deixei-me levar até o carro. No caminho, havia uma fileira de moradores de rua sentados próximos à catedral e à Caixa Econômica Federal.

O dono da loja da Ébano Pereira está certo. Por ora, não há o que oferecer. Bom Bonito e Barato? Só que não.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s