Relatos Selvagens

Viram as aves que despencaram do céu de Chihuahua, no México? Uma revoada retinta derrapou na linha dos telhados e desmanchou-se nas ruas. Segundo a imprensa local, eram graúnas-de-cabeça-amarela fazendo uma murmuration, ou seja, um balé sincronizado protagonizado por milhares de dançarinas penadas. Muitas morreram ao chocar-se nas amigas, outras conseguiram arremeter e retomar a altura no firmamento náuatle.

Ornitólogos voaram pra tentar explicar a pane ocorrida na cidade mexicana. A rádio Ranchera de Cuauhtemoc deu a versão final: as xantocéfalas teriam perdido a direção e causado o acidente. Choque em fios de alta voltagem e overdose por fumaça foram descartadas. Resta saber qual cabecinha amarela errou o ângulo e provocou as colisões. A culpa foi do piloto…

De minha parte, desconfio dos chihuahuaenses. Talvez as graúnas desejassem pregar um susto neles em contrapartida a alguma árvore derrubada, um rio poluído, uma estilingada certeira ou ruindades afins. Motivos que devem explicar a intimada que outra passarada deu nos desavisados texanos que estacionaram os carros em um grande supermercado local. As aves empoleiraram-se nos veículos estadunidenses e paralisaram o vaivém dos clientes, que só se mexeram depois que o bando vazou. A reportagem não identificou a espécie. Chuto serem corvos, pela catadura preta e o bicão deles. A matéria comparou a cena com as de Os Pássaros, do Hitchcock, com que concordo.

Em tempos de emergência climática é bom ficar esperto. Mais ainda agora, porque os cientistas — muito tempo depois do diretor inglês — perceberam que os corvos, pegas e gralhas são tão espertos quanto os colegas mamíferos. As avezinhas aí têm aproximadamente o mesmo número de neurônios que chimpanzés e assemelhados. E não neurônios quaisquer, mas os responsáveis por ligar lé com cré — os neurônios associativos. Provam-nos as pegas australianas, que recentemente arrancaram de seus corpinhos aerodinâmicos os rastreadores colocados por pesquisadores da terra dos cangurus. E fizeram isso no coletivo, uma pega ajudando a outra na função de tirar o breguete incômodo de cima de suas penas.

Dou um salve aos cientistas, espero que descubram mais coisas. Mas sem querer ser cabotino, já sabia disso desde o tempo dos corvos jazzistas do Dumbo, da Pega Ladra e da sua versão em quadrinhos, As joias de Castafiore, que essas bicudas são inteligentíssimas. E sei também, porque todos os dias gralhas-picaças crocitam à minha janela cobrando-me sua refeição. Como mais valem dois pássaros voando, do que um nas mãos, trato-as bem. Nestes dias em que a humanidade pisa na Pachamama sem dó, tento apresentar-me a elas como um dissidente. Espero que acreditem


* Imagem: Avicedea/Wikimedia Commons

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