Noite na Taberna

Chegaram chegando. O primeiro balançava um barril de álcool nas entranhas. O outro era ligeiro, e se bebia, o esqueleto enxuto não o entregava. O bar fervia. As mesas subiam nas cadeiras, as cadeiras corriam pelos balcões, os balcões dançavam nas escadas, copos e garrafas flutuavam por entre cabeças sem corpos. Litros de paganismo derramavam-se na conservadora Curitiba.

Era noite do Festival de Teatro, ninguém ali no Nina era santo, graças a Baco. Por isso, acolhemos o olhar aluado daquele Oliver Hardy bêbado apontado em nossa direção. Encostou na nossa mesa, girou em câmera lenta o braço até posicioná-lo à nossa frente no modo cumprimento. Um passo atrás, à espera, Stan, seu parceiro. A chance de serem artistas era apolínea. Há um bom par de horas flanava à nossa frente a trupe dos Satyros, cujos atores reconhecíamos, gole a gole, despidos do figurino e maquiagem com os quais os conhecemos na peça Pessoas Brutas na noite anterior. Seriam, Stan & Oliver, um deles?

Não.

Eram caixeiros viajantes infiltrados na animada taberna da Marechal Deodoro. Logo que a língua do Oliver se desembaraçou, recitou a odisseia da pinga com cataia. Quem já cambaleou pelo litoral do Paraná reconhece a beberagem, quem não, explico: cataia é um arbusto cujas folhas dão um gosto amargo e uma cor acobreada quando misturada à cachaça. Em tupi-guarani, cataia significa a folha que queima.

Sentiu?

Enquanto falávamos que conhecíamos a folha, Stan Laurel, com um pé, saiu do bar, com o outro, voltou empunhando uma garrafa. Havia uma adega no carro deles. O espetáculo da dupla era comercial. O veloz Stan abriu o recipiente enquanto o ébrio Oliver colhia dois copos no balcão (não pela primeira vez, deu pra perceber pelo olhar petrificante da balconista). Claro que experimentamos a pinga, e a danada era bem boa. Tão macia que desconfiamos, injetaram mel, água? Como àquela altura já havia passado por nós um bocado de cerveja, paramos na primeira dose. E recusamos a comprar a garrafa.

Mas o par não admitia o verbo desistir. Tivemos de usar um estratagema. Contamos a eles que o Emicida estava no mezanino do bar, certamente ele compraria uma garrafa. Antes tivemos de informar-lhes quem era o músico. Entenderam o básico e, claro, se animaram. Sim, foi sacanagem de nossa parte. Mas essa história não é trágica, eles foram contidos ao pé da escada. Uma valorosa produtora, sempre elas, barrou-lhes a subida com uma paciência olímpica.

Fomos embora, com um riso báquico nos lábios e uma dúvida dionisíaca: a cachaça procedia? No dia seguinte corremos ao Google, que nos levou ao brimo Instagram, onde encontramos a garrafa cobreada oferecida por Stan e Hardy. Procedia… Para nos redimir de toda essa comédia, precisamos comprar uma. E azar do Emicida que não levou a dele.

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