“O seu time está preparado para bater metas?”, buzina a placa publicitária na rua João Negrão. Um homem de camiseta regatas carrega um botijão nas costas. Um guarda municipal mancha um amontoado de cobertores e trapos com sua sombra. Um apito soca o ar, uma van dá ré na vaga em frente à marquise ocre do prédio da Universidade Federal do Paraná.
A cidade quebra-se em cacos, eu os apanho como posso, puxado pelas pernas que me levam para a rodoferroviária. Têm uma meta, resgatar minha carteira de documentos na URBS, órgão responsável pelo transporte público de Curitiba. Não sabiam ainda, mas seu destino é um escritório exclusivo para atendimento a taxistas. E passageiros descuidados que largam objetos em seus veículos.
No mezanino da rodoferroviária, uma garganta de vidros e esquadrias cinza engolia o fim do corredor. Um punhado de gente se distribuía em frente a um guichê. No painel de vidro, cariado por cartazes e duréques soltos, avisavam: Agendamento pela internet. O povo ali resolvia pendências com o cartão transporte, sem o qual não vamos nem voltamos pela cidade nas linhas de ônibus locais. Nada de táxi. Meu guichê era outro.
Duas perguntas mais tarde, cheguei. Porta fechada, placa de Aberto. Meus dedos bateram no retângulo envidraçado da porta. Um funcionário abriu, “Já vão te atender”. Cadeiras e guichês vazios. Ninguém. Biombos encardidos degolavam o espaço pelo meio, vozes metalizadas saltavam por cima deles. Nenhum computador no horizonte. O atendente veio. Cabelo pretíssimo grampeado nas laterais do crânio, camisa listrada puída dentro da calça de tergal. Me senti na década de 1980. Só faltou alguém entrar com um cigarro na boca. Falava de pé, fez algumas perguntas, não sabia bem o que fazer, transformou a devolução da carteira numa operação cartorial. Saí com ela e um papelucho xerocado, debuxado com três assinaturas mais a minha. Conheceu o lixo.
“Estacione e leve a chave”, alertou em redondilha maior a tabuleta na André de Barros. Um advogado passou ganindo charadas no celular — “Imune à glosa penal! imune à glosa penal!”. A frase mais batida das placas de rua, COMPRO CABELO, acotovelava-se com a OPEN HAIR, NADY MODAS, AFRO HAIR e ABALLE ELETRÔNICOS. Me deu saudades da CELLFIE do Pilarzinho, estabelecimento que alimenta os neologismos e a fome por acessórios eletrônicos do bairro onde moro. Mas tinha muito que caminhar, foi o que minhas pernas deram a entender com um tranco desamigável.
— O seu time está preparado para bater metas?, tive a impressão de ouvi-las dizer.