— Não é possível, mais um!
Era o quarto gol, e de virada. A mão na cabeça expressava o espanto. O União Ahú Futebol Clube era goleado em casa, no virgiliano estádio Ricardo Halick. Cercado de árvores, sem arquibancada, o campo parece assentado numa chácara suburbana. Em 1938, certamente era, ano em que o clube foi fundado. Hoje, o Ahú é mastigado pela malha urbana da capital paranaense, cortado pela prolixa Anita Garibaldi, que leva o morador de Curitiba do Juvevê ao Cachoeira, no norte da cidade. O elo com a modernidade no Halick é a nova cancha de futebol soçaite, com gramado sintético, ao lado do campo principal.
— Pior que o goleiro é meu filho — confessa uma mulher de cabelos longos, encaracolados e levemente grisalhos. Sentada a meu lado, compúnhamos com mais uma meia dúzia de ahuenses a torcida local. A gorda luz de inverno nos lambia enquanto a partida da segunda divisão da Suburbana, torneio da várzea curitibana, seguia sábado acima.
— Nem era pra tá jogando, mas o titular machucou feio. Daí chamaram o João.
Aos poucos num tom entre humilde e melancólico, Isabel fala sobre a carreira do filho. Ela o apoia tipo mãe de Miss, o acompanha em todos os jogos, compra uniforme e lhe devota uma confiança sem reservas, seja qual for a quantidade de gols que tomar. As luvas são mais caras que a chuteira, revela. A que acaba de deixar de agarrar quatro vezes a bola do jogo custou mais de quatrocentos reais. Isabel esfrega as mãos no casaco verde pousado nas coxas e conta que teve de juntar muita latinha pra financiar a paixão do filho. Nem pergunto pelo pai.
— O João tentou jogar num time de São Paulo, mas não conseguiu. Não tinha altura pra goleiro, disseram.
— Aconteceu comigo também.
Fiz um teste no Santo Amaro Futebol Clube quando era garoto, em São Paulo. Durante o jogo a bola flutuava feito uma bexiga de aniversário. Não tinha altura também. Como era goleiro de futebol de salão, fui bem nos pênaltis. Mas não foi o suficiente. Me mandaram pra casa. Sabia o que o João tinha sentido.
Sem mais, o jogo termina para alívio meu e da Isabel. João caminha para a saída do campo conversando com companheiros do time. Ouve o alarido da torcida do Santíssima Trindade, em maior número no RIcardo Halick. Isabel aguarda o goleiro, resignada. Me despeço, desejo-lhe boa sorte e espero reencontrá-la em outro jogo. O Ahú afunda na tabela de classificação. Mãe e filho seguem na canoa deles. Até onde irão com ela?
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* Foto de Francisco Pinheiro, extraída do Google Maps