O centro de Curitiba virou um Celulódromo. A cada três lojas, quatro são de acessórios de celular. Paro diante de uma. O letreiro em néon repete hipnoticamente as ofertas do dia. Dentro, um desespero de capas de celular. As cores berram — verde-limão ligado no duzentos e vinte, azul boate puxado pro lilás, amarelo pikachu, noves fora os unicórnios e afins. Tudo banhado na fosforescência. Meus olhos fritam até que uma voz me resgata:
— Precisa de algo, senhor?
O senhor aqui precisa, preciso de um protetor de tela pro meu aparelho novo. O anterior conheceu a força do meu traseiro. O vidro esmigalhou. A engenhoca apitou, apagou e acendeu luzes, mudava de página sem parar. E o medo da máquina em transe comprar, transferir, fazer pix e o algoritmo a quatro? Felizmente esticou os bites antes disso. Decidi proteger o engenho recém-adquirido da minha falta de jeito e de meu sobrepeso.
— Qual é o aparelho?
Travei, não acesso os nomes dessas geringonças, é criptografia pura pra mim. A atendente respondeu à própria pergunta e colou a película protetora. Pronto, estava reabilitado pra sair para o mundo presencial. Ao pisar a calçada, senti um leve sotaque digital subindo da sola dos meus tênis. Estaria virando um Gengar?
Entre uma Celularia (ou Celularlaria, Houaiss?) e outra, passei por lojas de roupas, restaurantes, bares, bancos, quiosques e microcafés. Ainda dá pra levar uma meia pro inverno, engolir um pastel e comprar uma caneca ou uma caneta no calçadão da XV. Mas temos novidades. Vem aí um tal de metaverso. Um mundo paralelo em que será possível entrar, conversar, experimentar roupas, testar aparelhos e comprar mercadorias virtualmente. Um bonequinho com a nossa cara, sem ruga, espinha ou bafo, poderá transitar num estabelecimento, dialogar com outros bonequinhos sem rugas espinhas e bafo, e adquirir um produto qualquer.
Vai ser mais uma limpa nas ruas. O centro será uma Celulândia (ou Celularlândia, argh!) cercada de quiosques de comida, de cafés e bandos de não-avatares sem-celular. E cartórios, porque aqui é Brasil. E os Shoppings? Talvez virem um Celulódromo protegido da chuva, com praça de alimentação e café. Ou talvez nem isso.
— Mas quem dá de comer pro celular? — uma bonequinha virtual me pergunta enquanto eu atravesso a Ébano Pereira em direção à praça Osório.
— O lítio, menina. Há uns quarenta anos era só o componente de um remédio que ajudava um ex-deputado importante, o Ulisses Guimarães, a controlar o humor. Teve seus quinze minutos de fama, o lítio, que seguiu tratando a depressão, sem o mesmo entusiasmo e cartaz. Recobrou o prestígio neste século. Já o chamam de petróleo branco. Criaram até uma Opep pra ele, formada por empresas de verdade, nada de maquetes com bonequinhos. Este ano valorizou quinhentos por cento. É obtido de um mineral, sua extração é bruta.
E completei, pra espanto da bonequinha que flutuava no meu feed imaginário:
— Por causa dele depuseram o presidente da Bolivia em 2019.
Não contei pra ela que o país andino guarda trinta por cento da reserva mundial, e se juntarmos a ele a Argentina e o Chile, as reservas somam quase setenta por centro. Encrenca da grossa vem por aí, hermanos.
— Onde vou comprar isso a essa hora? — uma voz aguda em frente à Boca Maldita derrubou o meu diálogo fictício.
Se estiver procurando uma capinha de celular rosa-jigglypuffy, há uma loja no próximo quarteirão, murmurei, vendo a dona da voz sumir feito um Pokémon pelo calçadão da XV.