Meia dúzia de árvores foi ao chão neste início do ano. Um Bugreiro caiu em janeiro, de madrugada, quando Curitiba se desmanchava em chuva, trovões e relâmpagos. Derrubou outra, anônima, e nosso poste de luz. Mais uma, identificada apenas como “a lenha é boa”, tombou mas não encontrou o solo, apoiou-se na imensa caneleira que decora o horizonte de casa. A próxima da fila, duas semanas depois, arqueada pela pancada do Bugreiro, rachou a dois metros do chão e levou a enorme Miguel Pintado que coroava nossa calçada. A arvorona cobriu o asfalto de troncos, galhos e folhas. Contei cinco até aqui.
A sexta, um Leiteiro, não caiu, foi podada. Depois desse apocalipse vegetal, dessa sequência de quedas que levou o Bugreiro, o Manuel Pintado mais as anônimas pro solo, não havia como deixar uma árvore de dez metros de altura, ornada por imensa e pesadíssima copa, projetada pra rua, ainda que estivesse em nosso quintal, ameaçando tombar. Quem subiu no Leiteiro foi o Acir. Experiente abatedor de árvores, escalou oito metros do tronco para motosserrar os imensos e pesados galhos habituados a bailarem no céu que cobre nosso grão do Pilarzinho. Acir sobe com um dispositivo no pé, que o ajuda a trepar nos troncos. Amarra-se onde pode, e ainda leva a máquina de serrar junto. Uma técnica usada por ele é prender os galhos maiores e mais pesados numa corda para apararem a queda. Só que não deu desta vez. Quando desceu, Acir confidenciou, multiplicando as rugas do rosto, que nunca sentira tanto medo em subir numa árvore. E esse homem rijo, magro, já podou, cortou, derrubou centenas por aí. À revelia, ao que parece, o faz pelo pão de todo dia.
— Desamarrei a corda, fiquei com medo do galho levar a árvore junto — disse isso se desculpando pelo estrago que o galhão fez na calçada.
— Nem foi tanto assim, antes o galho do que você — retruquei, gelado por dentro, só de pensar na sua queda.
Felizmente, como o Acir, o Leiteiro segue firme, sem os encantos da copa, que deve rebrotar e brilhar novamente em cinco anos.
E esqueci de contar que a primeira árvore que caiu na madrugada de janeiro, o Bugreiro, apesar de ter derrubado nosso poste de luz, não arrebentou os fios. Com isso, seguimos assistindo à série da hora desavisados da tragédia vegetal em curso. Cena apropriada para esses tempos em que o clima no planeta vem mudando na proporção inversa da nossa indiferença. Os eventos atmosféricos botando pra derrubar e a gente maratonando a série X ou Y. Mas, noves fora o relâmpago de culpa, ver uma árvore tombando é um espanto: o barulho, a força, a energia que espalha na queda mostra o ser extraordinário que ela é. As toneladas que elas escondem enquanto soltam folhas refinadas e flores finas no ar só conhecemos quando vêm ao chão. Nada é pequeno, humilde ou rasteiro quando se trata de uma árvore. Viva ou morta.