O octogenário R. xinga seus seis cachorros por qualquer coisa: se latem, se pulam, se derrubam coisas, a cachorrice que for. Vizinho mais próximo, plantou um pé de camélia na frente da sua casa. — É a árvore dos abolicionistas, disse, enquanto a Adriana pegava uma muda de babosa que nascia em sua calçada verde. A planta vingou poderosa nos vasos aqui em casa, mas a babosa original morreu. R. não nos xingou.
Dona V. ultrapassou os oitenta anos. Aluga quartos, pinta paredes e portão às três da tarde, dirige um carro novinho pelas ladeiras do Pilarzinho e até pouco tempo apanhava abacates em um terreno baldio perto do nosso. Língua frouxa, contou uma história torta sobre o terreno onde construímos nossa casa, era ilegal, coisa e tal. Faz par com um chihuahua da idade dela e às vezes me lembra Praskóvia Pávlovna, a Senhoria de Raskólnikov, outras uma sertaneja euclidiana que se assentou na cidade peixerando a polacada.
O P. mora em frente ao Romário. Aposentado, faz bico como porteiro em algum prédio do centro da cidade, à noite. É desses que quando abre o bico, não para de falar. Tanto texto, só ficam trechos: jogou bola em time profissional em alguma seção da juventude, salvo engano torce para meu time, o Santos, tocou e faliu uma lavanderia na casa onde mora. É prestativo, cordato, mas crê em Whatsapp. Os filhos, universitários, lutam para laicizá-lo.
G. tem dois tratores. Fez a terraplanagem do nosso terreno e ajudou a espetar o poste da caixa de luz de nossa casa. As máquinas têm mil e uma utilidades, mas concentram-se na demolição e no ir vir entre aterros e escavações. Boa pinta, lavrado na pedra, é gentil e solidário. Sua filha um dia quis ver a muda de pau-brasil que plantamos no quintal. Os olhinhos dela murcharam ao ver a haste fininha salpicada de folhinhas verde-claro. Isso deu nome ao Brasil?
O casebre de C. está sem porta. No quintalzinho da frente, acumulam-se cadeiras de ferro, caixas de papelão e outros materiais recicláveis. Deles, vem-lhe o pão. E de outros serviços, jardinagem, limpeza e afins. Vai até eles com uma Monark antiga, com a qual pedala pelos morros ríspidos do bairro. Sua casa é um puxadinho da simpática construção de madeira rosa e azul que se equilibra no meio do quarteirão. Das mais antigas da rua, vive ali seu irmão, com quem morava. Algum contratempo fez C. mudar-se, outro levou-lhe a porta.
O vento frio me dez desistir de convidar o CL. pra tomar uma cerveja. Vizinho de frente do G., fica mais em Prudentópolis do que em Curitiba. Plantamos dois pés de erva-mate no cul-de-sac que arremata a rua onde moramos. Gosta de mato como eu, conta de gente derrubando árvore e portando arma em volta de sua chácara. Duvido que tenha xingado alguém na vida. Se eu esperar o calor, não tomaremos essa cerveja nunca.
Como você conseguiu saber tanto dos seus vizinhos? é uma façanha.
CurtirCurtir
hahaha, sou um homem do povo, rsrsrsrs
CurtirCurtido por 1 pessoa