Sonho meu

Sonhei que estava na África. A negra, a Central, no Congo. Nada indicava ser o Congo-Brazzaville ou a República Democrática do Congo. Meu inconsciente ignora as mudanças que houve por lá ou condensou as diferenças em nome de algum sintoma, freudiano que é. Solerte, empurrou a discussão dos conflitos pós-coloniais que corroem esses países e o nosso para o hiper-atarefado consciente, que promete falar sobre isso em outra crônica.

Eu estava feliz, muito feliz. E preocupado, o que ia fazer em solo congolês? onde morar? como ganhar o pão subsaariano? De repente estava montado em algum veículo alto, talvez um ônibus, ou uma caçamba de camionete. Varamos um cruzamento onde fios elétricos trançavam um vitral onírico sob o céu congolês. Chegamos a uma estação rodoviária, um sítio de terra batida, salpicado por machimbombos vermelhos, de um dos quais saiu a Adriana. Daí pra frente o sonho foi se desmanchando, feliz como começara.

À tarde desse mesmo dia, desperto, bati os olhos numa reportagem sobre o Mafalala, bairro de Maputo, capital de Moçambique. Lá usaram fraldas o craque Eusébio — que eu achava ser português –, o poeta José Caveirinha, o ex-presidente e revolucionário da Frelimo Samora Machel, a escritora Noémia de Souza e outros ilustres moçambicanos. O título da matéria é Quebrada Central, pesca lá no Google, vale a pena conhecer o que acontece por ali. Mas o que me fisgou na reportagem foi uma foto.

Ela mostra um amplo terreno de terra ocre, semelhante à do sonho, circundado por casebres, com um garoto caminhando no centro e em primeiro plano. Ele veste uma camisa amarela e calças compridas (que não lhe cobrem as canelas e lhe descobrem as sandálias tipo raider). No fundo da foto, há um campo de futebol, muita gente circulando, algumas sentadas no chão. Ainda no fundo mas no alto, fios elétricos distribuídos por dois postes de madeira dão volume à imagem, riscando-a da esquerda para a direita, como se acompanhasse o andar do menino. Os fios que saem do primeiro poste à esquerda, inclinados suave e simetricamente para esquerda e para direita, lembram as linhas de uma lona de circo.

O menino está afastado de todos e de tudo. Ombros elásticos, elegantemente inclinados para a esquerda, olha para trás, admirando o recorte de Mafalala, pedaço de Maputo que leva dentro dele. As calças e camisa de mangas compridas indicam que tem um compromisso. Um homenzinho. Vai trabalhar? Visitar alguém? Namorar? Seja como for, parece querer voltar logo.

E eu, voltar a África subsaariana, ainda que em sonho.


* Foto: Zé Maia/UOL

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Um comentário em “Sonho meu

  1. Faça deixar de ser sonho. Venha pisar no solo e respisar o ar do continente berço da humanidade.
    Já conheci Zâmbia, Zimbábue, Tanzânia, Angola, Etiópia, África do Sul e, claro, Moçambique. A vida é curta e a África é gigante. Reforço o convite para nós visitar. Um forte abraço.

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