— Aprender espanhol? Pra quê?
Adalberto, colombiano de Norte de Santander, foi direto. Depois, engoliu um punhado de macarrão com torresmo fisgado de uma sacola plástica que lhe servia de marmita. Essa conversa começou quando me virei para pegar a mochila.
— Desculpe, não tinha te visto aí, disse com um gesto para tirá-la da mesa dele
Pediu pra deixá-la onde estava, impedia que o vissem comendo na lanchonete da Voluntários da Pátria com a Luiz Xavier, colada na Boca do Brilho. Daí desenrolou nosso papo, engraxado pelo sotaque andino.
Padeiro, Adalberto despencou sete mil quilômetros América do Sul abaixo pra arrumar trabalho na capital paranaense. Nesse dia, à tarde, faria um bico em uma lanchonete no Alto da XV. Tem irmãos espalhados pelo Brasil e um em Curitiba. Nos entendemos bem, só uma vez lhe pedi que falasse más despacito. Não me convenceu a desistir de aprender espanhol, pero.
Vi o Pablo pela primeira vez, de longe. Ele caminhava com Rio e Brian à tarde no calçadão da XV. O reencontrei dois ou três dias depois na Alfredo Bufren, perto do Hotel Cervantes. Estava apenas com Rio e resolvi esperá-lo no sinaleiro que nos separava do prédio da Universidade Federal do Paraná.
— Opa, que cachorro é esse?
Pablo explicou que era um mastim, o nome era uma homenagem a Rio, personagem da série La Casa de Papel. Perguntei-lhe como alimentava aquele cão enorme, mas ele foi evasivo. O animalão parece bem e desviamos a conversa. Uruguaio, ou uruguacho, como ele fez questão de pronunciar, viaja pela América do Sul, anda e dorme pelas ruas, e seu plano imediato é chegar ao Rio de Janeiro. Reclamou da hospitalidade local, o que achei verossímil. Mas logo fomos desmentidos pelo dono da Balbeck, na Presidente Farias. Assim que entramos, o libanês entregou um shawarma ao Pablo, embalado num acendrado papel branco. Focinho do Millor Fernandes, o comerciante expressa sua saudade do Líbano, espalhando pela lanchonete estatuetas, bibelôs, mapas e livros de sua fabulosa terrinha. Saímos de lá, tiramos uma foto — com o trio completo, seu irmão, o Brian, aparecera de repente — e nos despedimos.

Adalberto e Pablo vivem de nada e morrem de tudo? parafraseando dois versos de César Vallejo, outro sul-americano que não teve vida fácil. Meio refugiados, meio exilados, nem por um momento me pareceram mortos, nem pareceram menos vivos do que eu.
* Pablo, Rio e Brian/ Fotos minhas