O abençoado Benito está no terceiro casamento. A atual, espanhola, foi precedida de uma italiana e uma libanesa, nesta ordem. Tem seis filhos e uma cabeça de lobo pregada na parede da barbearia. Oitenta anos e uns centavos, corta cabelos há sete décadas na Zona Oeste paulistana. Ele conta as façanhas de dom Juan deslizando a máquina pela minha barba e cabelo, parando às vezes para ajeitar a máscara ordinária que simula proteger-lhe do coronavirus e afins. Um rabo-de-cavalo pinga-lhe na nuca, compondo o figurino de casanova.
No fim da conversa revelou-se grego, verdadeira reviravolta sobre o nome espanhol que nomeia o salão, além de quase completar uma volta na metade do planeta, com a nacionalidade surpresa. E outra revelação, a do verdadeiro nome: Apulcro. Senti uma picada da primeira lição de latim. Se pulcro é belo no idioma romano, apulcro seria feio? O abençoado barbeiro teria feito barba cabelo e bigode nos pais e escondido o nome que o atrapalharia nas artes da sedução?
Quem daria nome de feio a um filho? Sem chance. Corri para o Dicionário etimológico de nomes sobrenomes, do Mansur Guérios. Nada. No de Nomes próprios, do Antenor Nascentes, cedido digitalmente a esse desperado cronista pelo meu amigo Marcelo, nada também. Teria sido uma personagem romana, um tribuno, senador? De onde teria vindo esse nome? Tudo indica ser uma invenção de engraçadinhos modernos, pigarreia um latinista. Pesquisando, encontrei Apulcro de Castro, jornalista preto esfaqueado por uma turba de oficiais do Exército em 1883 na rua do Lavradio, no Rio de Janeiro. Parece que os militares não gostaram de uma matéria que saiu nas páginas do Corsário, pasquim belicoso comandado por Apulcro. Lima Barreto resumiu a história pra nós no Numa e NInfa: “Havia dito ele, em seu jornal, que um certo capitão era caloteiro e logo todos os oficiais, sargentos, cabos, faxinas se julgaram ofendidos, não trepidando em vir em grupo matá-lo em plena rua, às barbas da autoridade”.
Um dos assassinos foi o jovem Moreira César, militar que matou muita gente depois do jornalista, parte delas em Desterro, atual Florianópolis, onde fuzilou e, dizem, cortou cabeça de muitos desafortunados. Acabou caindo em Canudos, ferido na barriga. Quem sabe nosso barbeiro conhecesse a história e, supersticioso, deu cabo do nome infeliz. Se por causa de um calote uma turba partiu pra cima do xará carioca, “às barbas da autoridade”, o que não faria outro bando por causa de um amor roubado pelo nosso odisseu dissimulado?
Barba e cabelos bem cortados, deixei oitenta reais no caixa do octogenário barbeiro, que se despediu de mim economicamente. Saí pela porta de vidro e reparei nos vasos de espadas-de-são-jorge e comigo-ninguém-pode no quintalzinho da frente. As plantas subiam vigorosamente.