O centro de Curitiba virou um Celulódromo. A cada três lojas, quatro são de acessórios de celular. Paro diante de uma. O letreiro em néon repete hipnoticamente as ofertas do dia. Dentro, um desespero de capas de celular. As cores berram -- verde-limão ligado no duzentos e vinte, azul boate puxado pro lilás, amarelo pikachu,…
Crônica;
Homens, homens, homens II
A pancadaria derrubou o apito final. Roubou dez minutos da partida. Mais chegados ao furor do que à ternura, os jogadores espalharam hematomas na polida tarde que afagava o Erondi Silvério, campo do Vasco da Gama Futebol Clube. Cobriram o sábado de socos e pontapés. E a torcida completou com uma barsa de palavrões. Pra…
Travessia
-- Não é possível, mais um! Era o quarto gol, e de virada. A mão na cabeça expressava o espanto. O União Ahú Futebol Clube era goleado em casa, no virgiliano estádio Ricardo Halick. Cercado de árvores, sem arquibancada, o campo parece assentado numa chácara suburbana. Em 1938, certamente era, ano em que o clube…
Próximo! Próximo!
"Não dê esmolas para pedintes nem compre de ambulantes nos trens do Metrô", repete a locutora da Linha Amarela. A voz cava um sulco nos tímpanos dos passageiros. Na Linha Verde, transfiro alguns trocados para um desempregado com a filha no colo. Ligeiras, duas violinistas tocam clássicos no vagão, arrematam com Asa Branca e levam…
Era uma vez na Suburbana
Oxo, era assim que Walter Abraão informava o telespectador da TV Tupi que a partida seguia sem gols. Em duas sílabas, carimbava a falta de graça do jogo. Esse foi o placar do primeiro confronto que assisti da Suburbana, campeonato de futebol amador de Curitiba: Operário Pilarzinho Sport Club versus Esporte Clube Fortaleza. Dois campeões…
Bater perna
"O seu time está preparado para bater metas?", buzina a placa publicitária na rua João Negrão. Um homem de camiseta regatas carrega um botijão nas costas. Um guarda municipal mancha um amontoado de cobertores e trapos com sua sombra. Um apito soca o ar, uma van dá ré na vaga em frente à marquise ocre…
Daltonbloomsweek
Semana passada juntou o aniversário do Dalton Trevisan com o Dia de Bloom, quatorze e dezesseis de junho. Mas quase nada se falou sobre isso em Curitiba. Do Dalton, só vi uma nota na página da Biblioteca Pública. O escritor pisou firme nos 97 anos e, segundo dizem, tem publicado uns livretes distribuídos apenas entre…
Velha história
Um truque para começar uma crônica é falar do clima. Ainda mais em Curitiba. "Ai, que frio!", desabafa o cronista, batendo o queixo, esfregando as mãos, abotoando o casaco até o gorgomilo, colando o cachecol no pescoço. Daí inicia com o bafo gelado do El Niño, desce para os efeitos deletérios na saúde, os dramas…
Jardim da infância
Seu Zé e dona Cecília viraram personagens. Ele jardineiro, ela vizinha. Ele pardo, ela negra, ambos elegantes. Seu Zé cuidava do jardim de casa, em um período da minha infância, na década de 1970, em São Paulo. Uma vez por mês, creio. Lembro-me bem dele, da voz grave. Homem cordato, pacífico, pele curtida, palma das…
Brejo de ideias
Já deixou escapar uma frase ou uma ideia porque não tinha como anotá-la? No chuveiro, vendo-a escorrer junto à espuma do sabonete; no ponto, na hora que o ônibus surge acelerado na esquina; no carro, quando o sinaleiro abre sem dar tempo pra anotar a pequena obra-prima. O título de um texto, o começo de…