Última crônica do ano, persistente leitora, persistente leitor. Nesta página que encerra o malfadado-xô-capeta-vade-retro-inominável 2020, fica o rescaldo das histórias não publicadas no Letra Corrida. Se a crônica sumir do mapa -- como andam dizendo por aí --, deixo ao menos as pistas do que poderiam ter sido mas não foram. Bacia do Rio Barigui;…
CRÔNICA
Delírio brevíssimo
Em um fim de tarde, procurando me desconectar, dei por mim, imóvel, encarando-os. Um balde e uma vassoura habitam-me a garagem. O primeiro serve água aos cachorros; a outra corre com folhas e poeira. De lata, o balde tem ar de relíquia; de palha, a vassoura espiga elegância. Há algo de Sancho Pança e Dom…
De barulhos e sons
Não gosto de barulho. Nem por isso deixaram de parir mais um por estas bandas do Pilarzinho. Ou melhor, reciclar: o ruído é o mesmo; a função, outra. É a recém-batizada por mim buzinaplauso ou buzina-aplauso - aglutinada ou com hífen, como preferirem. Explico. Converteram a Pedreira Paulo Leminski num draivinzão. Um público a quatro…
Vade retro
Sair de casa tem sido uma lástima. Não deveria. Deveria ser uma epifania. Mas é húmus pra úlcera, novelo de pesadelo. O ruim começa nos óculos embaçados por causa da máscara, segue com a esfregação do álcool em gel e culmina no medo de aproximar-se das pessoas. Mas saí. Obrigava-me o exame médico para renovar…
Lira de empréstimo
O poético esmalta a membrana desta hora em que esquecemos do trabalho, do dinheiro e da morte. Hoje é daqueles dias de escrever poema. Luzes fotografam árvores, cães riscam a película que reveste a tarde, pássaros pretos de bicos cor de madeira esmerilham o ar com asas de aço. Dia pra poema, não pra crônica.…
Crônica-parágrafo
[...] intenção aqui é homenagear essa forma de organização do texto, companheira do cronista aonde quer que ele vá. (Resolvi abrir um parêntese para o parágrafo, para falar desse companheiro de toda crônica, fiel na hora de recortar o assunto, de dar ritmo ao tema da conversa, aliviando a vida do leitor ao permitir-lhe respirar…
Laives sem fim
Mal toco em um ícone, um par de rostos irrompe na tela do celular, levando altos papos. Tenho tomado muitos sustos. Com laives. (permitam-me o abrasileiramento, ortodoxa leitora, ortodoxo, leitor.) Ora no Facebook, ora no Instagram. Tereza Cristina e Daniela Mercury numa laive;Foto extraída da Trip Mal toco num ícone, um par de rostos irrompe…
Esponja velha
Mas de que serve, calejada leitora, calejado leitor, escrever sobre uma esponja velha quando ontem morreram mil pessoas e amanhã morrerão mais mil? Enternece-me a esponja velha. A que singra litros de gordura animal, percorre quilômetros de fibras vegetais, esfalfa-se em meio a arrobas de farinha de todo grau e, molenga, aporta na praia. A…
Não vai colar
Não me conformo é com o sarcasmo: pregar a sentença de morte no corpo da sentenciada. Ministério Público Estadual do Paraná manda suspender o corte de 231 araucárias em Cascavel. Pretendia-se abater mais de duas centenas de árvores no meio da pandemia. Agora, em maio. Meses antes, em janeiro, 4 mil "exemplares arbóreos" no Jaraguá,…
Leminski Road
Gosto de pensar que os aclives e declives do bairro tenham se infiltrado nos versos que o poeta escreveu por aqui de 1976 a 1988 Esta crônica começa pendurada na anterior. Segue pelos despenhadeiros do Pilarzinho. Se você chegou agora ao Letra Corrida, alcoogeleizada leitora, alcoolgeleizado leitor, Pilarzinho é um bairro que escapa para o…