Tá tudo solto na plataforma do ar. Uma luminosa melodia encanta o olhar, o azul expande edifícios, casas e formas sábado cedo. Forças em suspensão, as horas gravam-se sonolentas, o mundo imprime-se desapressado. Freia-se o verão, que bate na coluna silenciosa da nova estação, resfriado no presente imóvel. Na outra margem, o frio assobia longe.…
Outono?
Tarântulas, caranguejos e gruas
"tive coisas impróprias na/ dando dentro dele/ pós, pedras, medos,/ remédios, tiranias" Tatiana Roque Sonhei que estava indo atrás de aranhas. Desço uma escada, sigo por um corredor que corta repentinamente à esquerda, ando mais um pouco e “aqui estão elas!” Há uma grande vitrine, água, areia, pedras e bichos. meio aquário, meio terrário. Vejo…
Noturno do Pilarzinho
Onde começa, onde termina o Pilarzinho? Na rua Manife Tacla os grilos armam uma rede encantatória no ar. As luzes pálidas dos postes de iluminação compõem a noite provinciana, aqui e ali engrenada na roda contemporânea pelo escapamento aberto de uma motocicleta de deliveri. A lua cheia carimba o horizonte apertado pelos morrotes do bairro,…
Armas, munições e bordados
O título aí não é meu. Está na placa de uma loja de material militar na praça José Borges de Macedo, no Centro de Curitiba. O que faz a palavra bordados aí, você pergunta. Um código? Sarcasmo? Uma sugestão para o cliente conter-se? Atirar mais delicadamente? Tiroteios cool? O barbeiro Apulcro discorda -- É uma…
Vísceras à vista
Já passou por uma colonoscopia? Relaxe, não é tão ruim como te disseram, nem é um passeio. Tem dois episódios: o Preparo e o Exame. Mais longo e penoso o primeiro, ligeiro e indolor o segundo. O preparo começa dois dias antes do exame, nada de ingerir grãos -- aveia, feijão e assemelhados. Sem pedras…
Alegria, Alegria
Um calor de Momo em Curitiba. A avenida Marechal Deodoro desborda de gente. Na comissão de frente, César e o seu cooler. Torcedor da Escola de Samba Mocidade Azul, ele fixa os louros e os tornozelos parafusados atrás da baia onde se distribuem copos d'água para o povo e o estafe do desfile. Soberano, nos…
Mestres-salas dos ares
São dois Acir. Um é pintor, outro jardineiro podador. Franzino um, baixo e forte o outro. Sabem a arte de subir sem cair, "descem olhando pra cima, sobem espiando pra baixo", como escreveu um poeta peruano. Conhecemos o Acir pintor quando construímos nossa casa. Ele apareceu na terça-feira gorda da obra. Os pedreiros deixavam a passarela,…
Pedras da loucura
Esta manhã acordo e/ não a encontro. /Britada em bilhões de lascas... (Drummond, "Montanha pulverizada") O mineiro João Pimenta da Silva cavou um poço de quarenta metros na cozinha de sua casa em Ipatinga movido por um sonho. Um prédio de treze andares de cabeça pra baixo, um túnel de metrô, pense. Septuagenário, Pimenta contou com…
O sol por testemunha
O sol paulistano assa o ciclista do IFood no viaduto Pompeia. A maratonista amadora consulta o relógio e projeta o olhar na longa e deserta ciclovia da avenida Sumaré. O sol do Vale do Paraíba paulista transforma o ar da rodovia Ayrton Senna em cola. Quente, ele gruda nas costas dos trabalhadores que recapeiam, perto…
Pracabá
I. Um paisagista no Copan Um metro e oitenta e pouco, nariz clássico, barba e cabelos encaracolados e pretos. Bonito. -- Sou descendente de sírio-libaneses, disse. O nome, meio grego, não conseguimos entender. Vestia roupas escuras e segurava um saco de lixo preto, de sessenta litros, quase vazio. A sola dos pés e os dedos…