Tá tudo solto na plataforma do ar. Uma luminosa melodia encanta o olhar, o azul expande edifícios, casas e formas sábado cedo. Forças em suspensão, as horas gravam-se sonolentas, o mundo imprime-se desapressado. Freia-se o verão, que bate na coluna silenciosa da nova estação, resfriado no presente imóvel. Na outra margem, o frio assobia longe.…
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Noturno do Pilarzinho
Onde começa, onde termina o Pilarzinho? Na rua Manife Tacla os grilos armam uma rede encantatória no ar. As luzes pálidas dos postes de iluminação compõem a noite provinciana, aqui e ali engrenada na roda contemporânea pelo escapamento aberto de uma motocicleta de deliveri. A lua cheia carimba o horizonte apertado pelos morrotes do bairro,…
Armas, munições e bordados
O título aí não é meu. Está na placa de uma loja de material militar na praça José Borges de Macedo, no Centro de Curitiba. O que faz a palavra bordados aí, você pergunta. Um código? Sarcasmo? Uma sugestão para o cliente conter-se? Atirar mais delicadamente? Tiroteios cool? O barbeiro Apulcro discorda -- É uma…
Alegria, Alegria
Um calor de Momo em Curitiba. A avenida Marechal Deodoro desborda de gente. Na comissão de frente, César e o seu cooler. Torcedor da Escola de Samba Mocidade Azul, ele fixa os louros e os tornozelos parafusados atrás da baia onde se distribuem copos d'água para o povo e o estafe do desfile. Soberano, nos…
Mestres-salas dos ares
São dois Acir. Um é pintor, outro jardineiro podador. Franzino um, baixo e forte o outro. Sabem a arte de subir sem cair, "descem olhando pra cima, sobem espiando pra baixo", como escreveu um poeta peruano. Conhecemos o Acir pintor quando construímos nossa casa. Ele apareceu na terça-feira gorda da obra. Os pedreiros deixavam a passarela,…
Pracabá
I. Um paisagista no Copan Um metro e oitenta e pouco, nariz clássico, barba e cabelos encaracolados e pretos. Bonito. -- Sou descendente de sírio-libaneses, disse. O nome, meio grego, não conseguimos entender. Vestia roupas escuras e segurava um saco de lixo preto, de sessenta litros, quase vazio. A sola dos pés e os dedos…
Roda Viva
Parafusaram uma imensa roda gigante no calçadão da XV. Espremida entre os prédios vizinhos à Praça Osório, ela ocupa quase toda largura da rua. Os pedestres vão e vem pelas laterais no apertado espaço que sobrou para circularem. A roda alcança vinte metros, mais ou menos a altura de sete andares dos edifícios próximos. Tem…
Guerra e paz
-- Eu quero paz! -- Você é chinês ou japa, caralho?. Uma pomba bica um colchão murcho sob a marquise do antigo prédio da Prosdócimo, na rua Cruz Machado, no Centro de Curitiba. Faz quase trinta graus. Ando em ziguezague, atrás de sombra, um tabuleiro de xadrez escaldante. A primeira frase acima ouvi de um…
Cidade chapada
Você já viu, não tem como. Praga urbana, abraça lotes, esquinas e quarteirões. Arranha a rua amena, enfeia a esquina elegante, atropela o quarteirão antigo. Chapa a cidade, borra os bairros, rói as ruas, zomba da gente -- "já era, perdeu, cidadão". Obituário de aço galvanizado, aqui jaz a paisagem familiar, se prepara que lá…
Pintou um clima II
Um teclado verde suspenso no ar. Folhas de todos os tons, formas e combinações. Tocam para os olhos. As da Ameixeira são grossas, verde-escuras, abrem-se em taças. A Manuel-Pintado as tem claras e delicadas; plugadas em caules mínimos, fingem flutuar. Outras, longas e flexíveis, remam o vazio num galho horizontal. As nuvens amarram a luz,…