Não li os Miseráveis, de Victor Hugo, mas um morador de rua leu. Faz tempo, ele retirou a obra do escritor francês da Biblioteca do Sesc, do Paço da Liberdade, no Centro de Curitiba. Só o primeiro volume da luxuosa edição da paulistana Cosac Naify, porém. Exemplar emprestado, exemplar perdido, pois o miserável não pôs…
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Autobiografia em seis parágrafos
Esta é última crônica antes dos sessenta. O passe de idoso, as filas e os estacionamentos preferenciais crescem no horizonte. Antes de alcançar esses privilégios da velhice, melhor olhar pra trás e fazer um acerto de contas com os anos que se foram. Aos vinte, circulava pela PUC de São Paulo. Mais pelo lado de…
Crônicas instagramáveis
Ao perguntar se eu era cliente, pedir meu CPF, a caixa deixou escorregar aquele "s" levemente chiado, doce, que me fez perguntar se ela era de Belém. "Nao, sou do Amapá", falou, abrindo levemente as vogais. A deliciosa prosódia do paraense, e agora do amapaense, lima o s chiadissimo do carioca e acalma a vogal…
Adalberto e Pablo
-- Aprender espanhol? Pra quê? Adalberto, colombiano de Norte de Santander, foi direto. Depois, engoliu um punhado de macarrão com torresmo fisgado de uma sacola plástica que lhe servia de marmita. Essa conversa começou quando me virei para pegar a mochila. -- Desculpe, não tinha te visto aí, disse com um gesto para tirá-la da…
De zigue-zague em zigue-zague chega-se aonde?
para Orides Fontela e Peter Um polaco velho cresceu vindo da esquina. Balançando cabeça e braços, avançou na direção do ponto de ônibus, não parou, passou, comeu uns metros de calçada, voltou, murmurou algo, pisou forte até a esquina de onde surgiu, retornou, refez o caminho, assim até o Bracatinga chegar. Uma máscara preta…
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Vizinhos
O octogenário R. xinga seus seis cachorros por qualquer coisa: se latem, se pulam, se derrubam coisas, a cachorrice que for. Vizinho mais próximo, plantou um pé de camélia na frente da sua casa. -- É a árvore dos abolicionistas, disse, enquanto a Adriana pegava uma muda de babosa que nascia em sua calçada verde.…
Apocalipse vegetal
Meia dúzia de árvores foi ao chão neste início do ano. Um Bugreiro caiu em janeiro, de madrugada, quando Curitiba se desmanchava em chuva, trovões e relâmpagos. Derrubou outra, anônima, e nosso poste de luz. Mais uma, identificada apenas como "a lenha é boa", tombou mas não encontrou o solo, apoiou-se na imensa caneleira que…
Quero? Quero!
– A família dele é religiosa, não sei se vou segurar essa! A jovem de mechas assimétricas balança o braço tatuado enquanto dá a ficha do novo namorado para a amiga ruiva no vigésimo andar do Tijucas. O drama amoroso se comprime no pequeno café 271, quase escapando pela grande janela que projeta a paisagem…
É verdade este bilete
O dia não está instagramável. Flopou geral. Enfiou-se numa geladeira cósmica com a gente tudo dentro. Cenário e figurinos trabalhados no cinza chumbo, cinza melancolia, cinza depressão. Opa, freezando, antes de isso acabar numa urna funerária. É hora de puxar outro neologismo das entrelinhas, e photoshopar o ambiente pra seguir o dia e biscoitar algo…
Celulódromo
O centro de Curitiba virou um Celulódromo. A cada três lojas, quatro são de acessórios de celular. Paro diante de uma. O letreiro em néon repete hipnoticamente as ofertas do dia. Dentro, um desespero de capas de celular. As cores berram -- verde-limão ligado no duzentos e vinte, azul boate puxado pro lilás, amarelo pikachu,…