Domingo

UM navio de papelão escorrega da cozinha pra sala. A caixa dos gatos aproveita o vendaval e imagina-se no mar. Quase tropeço nela, fora de rota, penso em tirá-la dali. — Precisa? Há vento por todo canto — Morreu um padre!, fala uma voz perdida na memória. As janelas e varandas abertas liberam as correntes, o domingo se mexe todo.

Os galhos da Guaçatunga balançam, rangem e raspam no telhado. Talvez seja hora de podá-los, a copa se inclina pro lado da casa atrás de sol. A porta bate forte, a chama do fogão apaga, é preciso ao menos fechar uma porta, o almoço pede. Na varanda, os sacos plásticos deslizam pelo guarda-corpo, esvaziando-se e enchendo-se a cada vai e vem. Devem estar secos, hora de guardá-los. — Não, brinquem mais um pouco.

Maçaneta da porta e sacolas no chão, folhas surfando no parquet, sombras chapinhando nas estantes, é preciso recolher o que se pode recolher. O sol bate forte na frigideira. O vento leva o cardápio pro resto da casa, tem pimenta, bacon — Manjericão não. Os gatos espapaçados sabem onde cochilar, não saem pra fora — Deixa a ventania passar. Os olhos fecham quando a brisa passa. O molho tá bom, desligar o fogo.

A cigarra entra no jogo. Antes da Primavera? — Ela sabe mais do que você. Verdade. Três de setembro de 2023, um calorão. Ontem um frio amarrado na chuva gelada e no céu mal-encarado. Mas — Morreu um padre!, a voz de novo — a ventania tocou as nuvens do teto de Curitiba, então esse sol, um domingo no vidro, os parques devem estar cheios — A feira do Largo da Ordem, então!

Água ferveu, pierogi de repolho e batata na água. Je suis mandiken, tu es mandiken, elle est mandiken, Papa Wemba abre espaço entre latidos e gritos de criança distantes. Todos sob o sol hipnótico. Todos ao mar do ar, de braçadas no invisível — Não tenho razão?, diz a cigarra. Falta o almeirão, folha valente, verde forte. Lavada, brilha na travessa portuguesa.

O almoço lança âncora, tudo em volta é só beleza, não é sempre, nem dura muito, talvez acabe logo. Mas é preciso.

Deixe um comentário