Estavam ali antes da gente. Os pedreiros que começaram a levantar a casa, aqui no Pilarzinho, em 2017, foram o seu primeiro contato. Mal interagiram, porém. A falta de interesse era recíproca. Os empreiteiros eram pragmáticos, quatro ou cinco irmãos. Contratados pela construtora, quanto antes terminassem o serviço, melhor. Para eles e para a empresa, que recebia o dinheiro da Caixa a cada etapa concluída. Atrasar a obra não era negócio pra ninguém. Pra Clementina e Nelson, talvez.
Com os pintores, o casal se entendeu melhor. Acompanhava mais de perto o subir e descer de escadas do Acir e do polaco grandalhão que o ajudava. Observava o ir e vir dos rolos e pincéis sobre a massa corrida assentada nas paredes externas. O polaco dividia o pão com eles. O ritmo mais lento e preciso dos pintores, o silêncio com que trabalhavam agradavam aos ouvidos sensíveis do Nelson e da Clementina — clima oposto ao daquele produzido pelos sons das ferramentas da construção, do motor do improvisado elevador que subia o material para o topo da casa e do rádio, que arranhavam o ar sereno daquele fundão do Pilarzinho. A calma dos pintores ajudou, acredito, a aceitarem a ascensão do quadrilátero de tijolo, ferro e vidro que se erguia no território de sua infância.
Em volta da casa, ficaram as árvores, uma rampa formada por placas de concreto separadas por sulcos estreitos e retos, e muita lama. O terreno argiloso, um barro vermelho e pegajoso, demorou para ser coberto pela nova vegetação. Clementina e Nelson não acharam aquilo bom. Ficavam mais tempo no vizinho, onde uma mata generosa permanecera intocada. Dali, de longe, Nelson nos observava com sua bela íris vermelha, acompanhado de Clementina, de íris preta. Mas havia outra razão para manter-se mais afastados, além do novo relevo local e da ausência dos pintores. Com a casa pronta, nós nos mudamos, trazendo novos moradores.
As gatas Madalena, Joaquina vieram primeiro, seguidas dos caramelos Bagu e Fran. Não sabíamos se Clementina e Nelson preferiam gatos a cachorros, ou vice-versa, ou se gostavam dos dois. Ou não simpatizam com nenhum deles. Notamos que se tornaram mais prudentes e visitavam-nos menos. Aos poucos, porém, foram perdendo o medo. Os cachorros aprenderam a respeitá-los, seguidos dos gatos, que, ao modo deles, pararam de incomodá-los de fato, fingindo uma ou outra emboscada para não perder “o moral”. Logo, tanto Nelson quanto Clementina passaram a ignorá-los. Em 2019, chegou o Godofredo. Dois meses de vida, gatinho levado, os importunou por um tempo, mais sem jamais preocupá-los. O casal tornou a sumir, mas, quando ressurgiu, veio com uma surpresa.
Não me lembro quem viu primeiro. Sob a proteção da Clementina, debaixo de suas asas, ia e vinha a passos rápidos e miúdos o herdeiro do casal. Não avançava além do território coberto pelas asas maternas. Entendi daí a expressão que ouvia desde a infância, dirigida a gente envergonhada ou tímida: “Mas é um jacu mesmo!”. Eram três belos espécimes de Penolope obscura, nome doutor dos jacuaçus, uma das diferentes espécies de cracídeos do Brasil. Assim que cresceu, o filhote foi embora. Nem deu tempo de dar um nome pra ele. Mas Nelson e Clementina permanecem conosco. Dizem que podem viver mais de vinte anos. Assim seja,
