Pensou em zumbis? Não é culpa sua. O mês, o cinema, a festa ianque são mais fortes. O sentido do título aí é literal. Mortos que permanecem vivos, de um jeito, de outro e mais outro. Não caminham como robôs, nem atacam os transeuntes. São sutis: terceirizam sua presença ou aparecem em sonhos, visões ou…
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Sonho meu*
Acabo de ler a transcrição de um sonho de 2013. Dez anos atrás, só agora caiu a ficha. Veja por que no parágrafo abaixo. Começa o sonho: queria escrever mas o computador não ligava. Meu pai me empresta um, branco. Vou digitar, tocam a campainha. Vou atender e vejo um menino fugindo. Corro atrás, ele…
Pintou um clima II
Um teclado verde suspenso no ar. Folhas de todos os tons, formas e combinações. Tocam para os olhos. As da Ameixeira são grossas, verde-escuras, abrem-se em taças. A Manuel-Pintado as tem claras e delicadas; plugadas em caules mínimos, fingem flutuar. Outras, longas e flexíveis, remam o vazio num galho horizontal. As nuvens amarram a luz,…
Tiranophone
Um meme icônico. Ou cirúrgico? Clichês não faltam. Adote o seu. Tutor de lugar comum. Ou coach, aproveita, a Internet é uma usina deles. A repetição aos baldes é seu suco. E o ganha-pão é nóis, de focinho no feed. Mas do que eu tava falando mesmo? De meme? Isso. Um meme antológico, da Web2.0.…
Você já foi ao INSS?
-- Onde o senhor leciona? -- me pergunta o médico-perito do INSS, usando o verbo preciso, combinando com as unhas bem aparadas e os cabelos ralos hiperpenteados no alto do crânio. A barba branca, bem aparada e desenhada, contorna o pomo de Adão e avança simétrica até as orelhas. Veste um avental de polipropileno --…
Quando os (hot) dogs sonham
O sonho do Dog da Vani começa no pomar das gôndolas fosforescentes. Dog compra uma buzina e dois escapamentos furados, um de moto, outro de Kombi 76. O pomar derrete e vira açúcar derramado num pão gigantesco, onde Dog negocia os acessórios recém-adquiridos. O comerciante pergunta "Só isso? E o Samba de Orly? O Mais…
Vergonha
"Desculpa de aleijado é muleta". Cresci ouvindo (e falando) essa expressão. Era corrente na década de 1970, em São Paulo. Adultos e crianças a espalhavam, sem culpa. Um bando de Rogers do Ultraje a Rigor com a lingua solta. Havia muita gente de muleta nos faróis e nas calçadas atrás de esmola. Uns andavam com…
Domingo
UM navio de papelão escorrega da cozinha pra sala. A caixa dos gatos aproveita o vendaval e imagina-se no mar. Quase tropeço nela, fora de rota, penso em tirá-la dali. -- Precisa? Há vento por todo canto -- Morreu um padre!, fala uma voz perdida na memória. As janelas e varandas abertas liberam as correntes,…
Do colarinho aos pés
Contei pra ele o que ia no Negroni.-- Não sabia! Um minitonel metálico de quarenta centímetros de altura por vinte de diâmetro guardava o coquetel ao lado do caixa na pequena e movimentada pizzaria da Fradique Coutinho, em São Paulo. O valor da dose, quinze reais, era anunciado na superfície do tonelzinho por uma caneta…
Próxima Estação
O rímel escurece e avoluma os cílios. Um pincel os estica em gestos secos e compassados. O celular flutua em frente ao rosto, serve de espelho à passageira ao lado, às seis da manhã na linha amarela do metrô. Veste um tailleur funcional cinza, passa dos trinta, distante um tanto dos quarenta. Finalizada a maquiagem,…









