Última crônica do ano, persistente leitora, persistente leitor. Nesta página que encerra o malfadado-xô-capeta-vade-retro-inominável 2020, fica o rescaldo das histórias não publicadas no Letra Corrida. Se a crônica sumir do mapa — como andam dizendo por aí –, deixo ao menos as pistas do que poderiam ter sido mas não foram.

Bacia do Rio Barigui; Fonte: Matasul
A primeira delas, sobre os rios de Curitiba, anunciada neste blogue meses atrás, trataria dos simpáticos rios que ainda teimam em remar contra a metrópole. Em particular, o Belém e o Barigui. Os dois passam perto daqui, do Pilarzinho. Aproveitam os 150 metros de diferença entre o Norte e o Sul da cidade para rolarem até o Rio Iguaçu, que lhes dá carona até a Tríplice Fronteira. O Belém brota no Cachoeira, bairro colado em Almirante Tamandaré, cidade onde nasce o Barigui.
O Belém é famoso. Personagem dos textos do Dalton Trevisan. Espiem lá, caudalosos e caudalosas leitoras. E é o rio que ladeia a ciclovia da minha aldeia.
O Barigui tem fama local. Compõe vários parques da cidade, batizando um deles com seu nome. Barigui significa “rio dos mosquitos-pólvora”, o famoso pòvrinha. Pica doído, doído. Conhecido também como maruim, é contraparente dos borrachudos paulistas. Honram-me a vizinhança e mantêm ativas as fábricas de repelente.
E vizinhança e vizinho eram o assunto de outra crônica.
Em Curitiba, há um lado da cidade onde o vizinho não lhe dá bom-dia, nem boa-tarde, muito menos boa-noite. E outro em que a palavra vizinho é forma de tratamento. Equivale ao cidadão, moço, bicho, cara, veio, mano, piá, meu rei,* que usamos pra tratar os semelhantes que conhecemos e desconhecemos nas ruas onde andávamos pelo Brasil pré-Covid.
Ou seja, de um lado, o vizinho te ignora; do outro, vizinho é a palavra empregada para chamar ou tratar o próximo nem tão próximo assim. A crônica queria pôr esse paradoxo na mesa, tipo “a mão que afaga é a mesma que apedreja” ou “a mão que apedreja é a mesma que afaga”, apresentando uns personagens locais: da vizinha de classe média ranzinza ao polaco caipira dos bairros mais afastados da cidade. Não rolou.

Verbete extraído do Dicionário Eletrônico Houaisss 2009
Havia uma outra crônica bem adiantada mas desisti de publicar — não sei se desonrava mais o tema ou o gênero. Era um livre-pensar-é-só-pensar sobre a palavra timbre. Gosto de etimologia, mas o texto ficou palavroso demais. Outra crônica etimológica, sobre bagunça, miou também — com todos os gatos literais e metafóricos que havia lá. E a última — pra fechar esta crônica e 2020 –: uma narrativa sobre abelhas e tucanos solitários que de, tão melancólica, achei melhor guardá-la para um momento menos difícil.
Espero revê-los em 2021. Se crônica houver.
Boas Festas!
* A gramática chama esse fenômeno linguístico de “interlocutório pessoal”. Não tive coragem de usar.
Parabens Genão Boa prosa em manólogo, mas internamente converso contigo. Abs Salloma Salomão Jovino da Silva. Artista/pesquisador
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Sempre juntos, meu caro. Grande Abraço
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