“Facebook, Facebook meu, existe alguém mais virtuoso do que eu?” “Quem posta mensagens mais engajadas, mais potentes, mais progressistas do que eu?” Meu feed é um palanque permanente: abaixo-assinado, textão, memes, gifs, dancinha do tique-toque, tudo pixelizado na virtude, uma película de imagens santo-esquerdisto-identitárias impecável.
— Pena não poder emoldurar esse troço!
— Dá um print , cutuca uma voz de metal.
Está de parabéns quem inventou uma forma de ganhar dinheiro com o engajamento alheio. Respostas a atos repulsivos geram dados logo transformados em money, money, money, money, pelos bilionários nerds que criaram essas caranguejolas orwellianas. Então, não adianta nada repudiar o racismo universal vazado em agressão física dia sim dia não em porta de supermercado ou em tiro da polícia ou em xingamentos em castelhano? Adianta, adianta. Uma multa aqui, outra suspensão ali, dois gatos pingados presos acolá, uma grita geral antirracista, tudo isso importa. Mas, em algum outro canto escuro das redes, um algoritmo espalha mensagens opostas com muito mais prazer e rendimentos para seus nerd-pirato-patrões. Segue a webficina.
Um crítico inglês escreveu que “não há como ser virtuoso sozinho”. A virtude se vê em ato, segundo ele. A situação faz o virtuoso. Ao postar, agimos? Sim, digitamos frases, orações, parágrafos, subimos imagens, às vezes digitamos com fúria o teclado do computador. Sozinhos? E a situação? É mais uma posição, hay racismo, soy contra?. Arriscamos um fio digital de cabelo nisso? Há mais narcisismo do que virtuosidade?
(– Faz bem para o moral…, sussurra a voz metalizada).
Falando nisso, Machado de Assis era o rei em desmascarar falsos virtuosos. “O caso da vara” conta o recuo do virtuoso na hora H. Damião entrega a vara para Sinhá Rita castigar Lucrécia, a jovem escravizada por quem ele simpatizara e cogitara ajudá-la de alguma forma. O desejo de não voltar ao seminário brandiu mais forte. por isso cedeu à ordem da amante do padrinho. Na web, Damião seria cancelado ou ele entenderia o jogo, cumpriria os protocolos, deixando seu feed limpinho, à prova de cancelamentos?
Enquanto pensamos nas respostas, seguimos na web. Como zumbis, continuamos a postar, dando sempre uma olhadela no espelho.
