O sonho do Dog da Vani começa no pomar das gôndolas fosforescentes. Dog compra uma buzina e dois escapamentos furados, um de moto, outro de Kombi 76. O pomar derrete e vira açúcar derramado num pão gigantesco, onde Dog negocia os acessórios recém-adquiridos. O comerciante pergunta “Só isso? E o Samba de Orly? O Mais que Nada e o Falta Você?” “Estão no aeroduto da Vila Madalena, São Paulo, Capital”, responde.
Segue o sonho. Dog vê o Estacionamento Gold coçar-se todo, ouve o baixinho dono daquilo gritando: “Taquem fogo nos carros, taquem fogo!” Os manobristas obedecem e começam a assar chumaços de cabelos e pedaços de unhas colhidas no salão MIranda’s. Dog chama a Vani. Ela o ignora, esfrega garrafas de Heineken no mezanino das livrarias da Vila, a pedido do flanelinha Alcir, desconhecido de Dog.
Na esquina da Wizard com a Fradique, monta num Táxi “Vamos pra Paulista!” “De jeito nenhum”, diz o motorista enquanto tira nacos de linguiça dos dentes com o edifício Martinelli. Dog azula, e se fosse eu? Nem apavorado acorda. Corre para o balcão do Empanadas, que lê as Categorias de Aristóteles para Borges, que diz ter esquecido a lógica da coisa. “Cortázar não esqueceria”, diz Dog. Borges cospe chimichurri e corre atrás de Dog com uma empanada serrilhada.
O beco vegano salva ele. “Não irrita o velho”, sussurra. Dog nem consegue agradecer, o octogenário barbeiro Apulcro morde ele, sacode ele entre os dentes, grunhindo. “Velho é a mãe! Velho é a mãe!” Campos de Carvalho intervém com verbos e substantivos descabelados e acalma o barbeiro, que solta Dog, larga a navalha e pega uma guitarra para pedir dinheiro vestido de Elvis Presley. Dog pede para Carvalho acordá-lo. O escritor diz que salsichas não sonham, mas se sonham não acordam e vai plantar jiló.
Dog toma um banho de Ketchup pra esfriar. Depois vai cortar cabelo nas irmãs MIranda. “Hoje, somente unhas. Cabelos, sempre ontem, os quais, aliás, o senhor não os tem, percebeste?” diz a MIranda mais nova, com certo sotaque angolano. “Verdade, sou um dog”. A Miranda do meio traz-lhe uma mensagem de Whatsapp. “Não sei ler”. “É da Vani”, revela a Miranda nonagenária. Ela lê pra ele, com um acento cabo-verdiano estropiado:
[Vani – 18092023] Dog, tu estás numa crônica. Sairás tão-somente daí quando o autor quiser ou quando ele encontrar outra cousa melhor para escrever. Nao te desesperes, ele já escreveu o quinto parágrafo, não vai muito além disso em geral. Imita um antigo cronista nisso [que lhe é superior, sem comparação, concordais, mirandas?]. Faz um barulhão dos diabos, é uma da manhã e os clientes estão impacientes. Quando acordares, estarei aqui.
[Eugênio Vinci de Moraes – 18092023] – Vani, você está faturando, né, vendendo cachorro-quente a rodo, eu, Vani, eu estou tentando dormir, tonto de tanto pagode, doniran barbosa, jorge benjor, katinguelê, só pra contrariar tocando a mil decibéis, fora as motos que parecem roncar dentro do quarto, e sem essa de cinco parágrafos, esta crônica já tem sete!
[Vani – 18092023] Crônica?
* Foto: fachada da Miranda's Cabeleireiros/ Foto minha
