O sol paulistano assa o ciclista do IFood no viaduto Pompeia. A maratonista amadora consulta o relógio e projeta o olhar na longa e deserta ciclovia da avenida Sumaré.
O sol do Vale do Paraíba paulista transforma o ar da rodovia Ayrton Senna em cola. Quente, ele gruda nas costas dos trabalhadores que recapeiam, perto do meio-dia, a pista do quilômetro 52, sentido Rio de Janeiro.
O sol de Ubatuba calcina a lataria do carro velho. Dentro, o ar queima e barra o vento gerado na estrada, o motorista concentra-se na chegada — sombra, água, cama.
Os cães da praia da Almada fogem do sol, mal latem, mal comem, mal cachorram-se. Os pássaros ignoram o alpiste e as frutas do comedouro. Não há brisa, as folhas fixam-se no vidro da paisagem. O canto da cigarra ceva a tarde cáustica.
O sol desidrata palavras, linhas e parágrafos. É preciso ventilar, respirar, umedecer, a cada período, a cada entrelinha, a cada alínea. O leitor considere, o planeta não dá refresco. O cronista abana, sopra, tenta refrigerar a frase, a oração, o período, o texto, busca adiar ou afastar ou driblar ou empurrar ou protelar até onde é possível, teimoso e tenaz, semanal ou quinzenalmente, à custa de muita conversa, muitos encontros, muitos mapas, muitos livros, muita wikipédia, muitos mecanismos de busca, seja em casa, seja no computador, seja no bar, seja na biblioteca, seja na rua, como dá, como pode ou consegue, o ponto final.
