São dois Acir. Um é pintor, outro jardineiro podador. Franzino um, baixo e forte o outro. Sabem a arte de subir sem cair, “descem olhando pra cima, sobem espiando pra baixo”, como escreveu um poeta peruano.
Conhecemos o Acir pintor quando construímos nossa casa. Ele apareceu na terça-feira gorda da obra. Os pedreiros deixavam a passarela, entrava o bloco do pincel. A trabalheira imensa em erguer uma edificação para, no fim, ver o troféu de campeão parar nas mãos dos pintores.
Mas o Acir não é um pintor qualquer. No final de um dia de trabalho, limpíssimo, pingo de tinta nenhum denuncia-lhe o ofício. Na casa, nada de nódoas, manchas, pontos de tinta; rodapés, gelosias, esquadrias, portas, tacos e assoalhos intocados. Olha que a casa não é fácil, construída em um aclive, as paredes do escritório, frontais, erguem-se a seis metros do chão. Da mesma forma, as paredes laterais da cozinha, com uns dois metros a menos de altura. Acir, auxiliado por um polaco falastrão, calçava engenhosamente as escadas para elas se firmarem no piso inclinadíssimo. Como um destaque da obra, lá estava o Acir, suspenso no ar, apagando com tinta branca a cor barrenta dos tijolos.
O Acir podador conhecemos mais tarde. Casa pronta. O terreno vizinho preserva uma respeitável mata secundária aqui no Pilarzinho. Ano passado foi preciso podar a copa, muito pesada, de um Leiteiro, uns dez metros de altura. Acrobata na raça, Acir vestiu os adereços para escalar a planta imensa: esporas, cinturão de segurança, cordas, um alpinista arborícola. Vestido, em segundos já estava a três metros de altura, motosserra pendurada numa corda. Era preciso serrar um galho poderoso. Ele o amarrou ao tronco e a outros ramos do Leiteiro para não arruinar tudo abaixo dele. Começou a cortá-lo. Percebeu que o tronco da árvore não o seguraria e tombaria junto com o galho. Então soltou o nó que os prendia antes de podá-lo de vez. O galho desabou. Acir confessou nunca ter sentido tanto medo como nesse dia. Na queda, a madeirona amassou parte da nossa cerca, achatou uma ou duas Aroeiras adolescentes, mas o Acir desceu inteiro. Todo trêmulo.
O Acir pintor nos deve uma visita. Nunca mais o vimos. Já se vão cinco carnavais. O outro Acir está a uma batida de tamborim daqui — graças as plantas, muito ativas, nada imóveis. Bom seria reunir os dois em casa. Ouvi-los, conhecer o enredo que conta a história desses dois mestres-salas dos ares. Não vai ser fácil. Como diz a marchinha, essa vida é um nó.
* Acrobats - Paul Klee - Museu Guggenheim.
