Alegria, Alegria

Um calor de Momo em Curitiba. A avenida Marechal Deodoro desborda de gente. Na comissão de frente, César e o seu cooler. Torcedor da Escola de Samba Mocidade Azul, ele fixa os louros e os tornozelos parafusados atrás da baia onde se distribuem copos d’água para o povo e o estafe do desfile. Soberano, nos dá duas brahmas geladas extraídas de sua geladeira portátil. Ele acompanha a passagem das escolas até o fim. Por volta das três da madrugada, vai embora, apressado, com medo de ser roubado — A essa hora tá cheio de ladrão aqui, diz. Como César, a Marechal perde a fantasia à medida que o público se dispersa.

Os jornais deram quarenta mil pessoas assistindo ao desfile do primeiro grupo das escolas naquele sábado generoso e quente. As arquibancadas desmontáveis estavam cheias; do lado oposto, nas calçadas onde encontramos César, mal havia espaço para circular. Alas improvisadas surgiam como podiam. Ala do povo com muito glitter e maquiagem, ala dos shorts, bustiês e meias arrastão, fazendo pedant com a ala do saco de lixo preto dos catadores de latinha, ala heterodoxa, dispersa pela avenida, faturando bem, sem quem os incomodasse, graças ao bom Momo.

Mas pra não dizer que só falei de flores, rolou uma briga de meio-jovens ou recém-adultos ao nosso lado. Passistas do desconcerto, pensei ter visto um rabo de arraia assinado por um dos valentões de rua, mas pode ter sido o espírito de carnaval. Nem ele era Madame Satã, nem a briga se prolongou em batalha de rua, logo dispersada por confetes e serpentinas do velhíssimo bloco do Deixa-Disso.

No Nina, restaurante na Marechal quase esquina com a Tibagi, atravessamos a madrugada, sem descarregar a bateria. E sem desafinar nem pipocar, nos integramos à turma do funil. Não deixamos o copo cair, mantivemos as lâmpadas do estabelecimento acesas até o sol apagá-las. Dali a pouco, na avenida vazia, os fantasmas do carnaval começavam seu desfile, enquanto nos esquecíamos na passarela do sono.

Na noite seguinte saímos pela Leões da Mocidade, escola do Grupo de Acesso. Desfilei na ala Brasileirinho, choro famoso de Waldir Azevedo, músico homenageado pelo enredo da Escola. Nos arrumávamos na Santos Andrade, o calor e o céu varrido de nuvens davam a Praça um ar de quintal. Quintal onírico povoado por babys consuelos psicodélicas (homenageadas pela interpretação de Brasileirinho), carmens mirandas cor de laranja e por belas baianas platinadas. Um frasco de uísque nos sintonizava àquela frequência de sonhos, que pouco a pouco ia nos enovelando à medida que caminhávamos para o local do desfile.

“Diga, espelho meu/ Se há na avenida alguém mais feliz que eu”, verso do samba enredo “É hoje”, da União da Iha do Governador de 1982, resume nossa sensação durante o desfile. Não me arrisco a narrar essa experiência, é fácil wscorregar na casca de banana do preciosismo. Por ora o leitor e a leitora estão convidados a desfilar com a gente na Leões em 2025 (agora no Primeiro Grupo!). E tomar uma cerveja com o imperador na avenida.

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* Praça Santos Andrade, 10/02/2024 -- Foto minha.

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