Armas, munições e bordados

O título aí não é meu. Está na placa de uma loja de material militar na praça José Borges de Macedo, no Centro de Curitiba. O que faz a palavra bordados aí, você pergunta. Um código? Sarcasmo? Uma sugestão para o cliente conter-se? Atirar mais delicadamente? Tiroteios cool? O barbeiro Apulcro discorda — É uma imitação canhestra do verso dos Lusíadas, essa porcaria aí é um octossílabo, diz mal-humorado, antes de sumir martelando o petit pavé e mastigando Camões — As armas e os barões assinalados…

Não ousaria discordar, mas, conversando com meus bem mais compreensivos botões, cogito que a loja teria sido um armarinho, repaginada agora por um herdeiro visionário segundo novas tendências do mercado, sem coragem, porém, de exterminar da vitrine a mercadoria original. A favor da minha hipótese, estão os estabelecimentos vizinhos à casa bordado-armamentista: dois armarinhos — Bandeirantes e Santa Rita –, um comércio de fantasias (Mix Fantasias) e a simpática Beija-flor, que vende material para artesanato. Sem bordados, a loja de munições destoaria do conjunto comercial naquele trecho da praça. Fora os quiosques de flores espalhando perfumes e cores quentes na praça em frente.

Sem tempo de gozar minha engenhosa conclusão, Apulcro volta, com passos mais duros do que aqueles com que partira. — Você sabia que aqui havia um Pelourinho? , e me arrasta para o centro da José Borges Macedo, próximo ao Paço da Liberdade. Aponta para o alto, para os dois edifícios em cujo rodapé estão as lojas mencionadas acima e manda: — Lê o que está escrito ali, lê! Confuso, olho pra cima. Baixos, de quatro andares, contando com o térreo, nem tão velhos nem tão novos, os prédios estão pixados. — Lê pra mim, anda! – insiste Apulcro, encarando-me com suas sobrancelhas elétricas.

No primeiro, há vários pixos com a sequência 1533, todas no primeiro andar, ao lado, em cima e embaixo das janelas. É o código do Primeiro Comando da Capital, o número quinze corresponde ao P e os dois três à letra C, segundo a ordem desses sinais em nosso alfabeto. Pra não deixar dúvida, escreveram a sigla PCC duas vezes. No prédio vizinho há várias pixações. Com três pares de janelas, há uma em cima de cada par, duas com tinta preta e uma com spray azul. Só consegui decifrar a palavra AMIGOS, no pixo mais baixo. Se entendi, o recado é “a periferia está no centro” Tem quem não goste, talvez os clientes da loja cuja placa fica ao pé das pixações.

Viro para o Apulcro mas ele sumiu. Dou com o Paço da Liberdade, agora iluminado por holofotes, que enxotam para suas margens a noite que cai. O paço foi por muitos anos o edifício-sede da prefeitura, quando não havia mais o pelourinho. Borges de Macedo foi o primeiro prefeito de Curitiba, em 1835, o atual leva o mesmo sobrenome. Nenhum dos dois governou nesse prédio, pois ele não existia no mandato do primeiro (o paço é de 1925) e abriga uma sede do SESC desde 2009. As pixações não deixam por menos, chegam junto, muita gente está de saco cheio dessa história de pelourinhos, poder e armas entre e para parentes.

Apulcro ressurge, colérico, me avisando que os tais bordados são uns escudos de tecido que o povo do tiro e motoqueiros costuram nas roupas deles. — Canalhas! Respondo com um palavrão enquanto o barbeiro encarna no Velho do Restelo camoniano: — “A que novos desastres determinas/ De levar estes reinos e esta gente?/ Que perigos, que mortes lhe destinas/ Debaixo dalgum nome preminente?

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