Outono?

Tá tudo solto na plataforma do ar. Uma luminosa melodia encanta o olhar, o azul expande edifícios, casas e formas sábado cedo. Forças em suspensão, as horas gravam-se sonolentas, o mundo imprime-se desapressado. Freia-se o verão, que bate na coluna silenciosa da nova estação, resfriado no presente imóvel. Na outra margem, o frio assobia longe. É preciso aproveitar o instante, logo casacos, aquecedores, gripes, lenha, meias de lã, luvas, ceroulas, moletons vão escandir os dias do morador de Curitiba. Mas fiquemos onde estamos, Outono.

Um edifício na esquina da avenida Marechal Deodoro com a alameda Dr. Muricy projeta-se como um menir rosa no lisérgico azul desta manhã nas ruas do centro. No alto, uma abóbada verde-cobre acende-se ao passo do sol. A combinação azul-verde-rosa desmaia sobre as cabeças alegres que ouvem jazz no calçadão a um quarteirão dali, ou que observam o homem-múmia todo pintado de preto acompanhado de uma caixa de som que rege seus movimentos. Quadros de pintores amadores, de paisagens bucólicas, todas com araucárias, escondem dos pedestres os suéteres puídos dos polacos reacionários da Boca Maldita.

O prédio rosa foi erguido com cimento da antiga Tchecoslováquia na década de 1950, o rosa é efeito do reboco misturado a pó de mármore, hoje substituído por tinta convencional. Muito ferro foi usado para guarnecer as 676 janelas abertas para a cidade que expande-se em ondas a partir do centro. Construído pelos antigos donos de uma famosa rede de supermercados curitibana, hoje extinta, a edificação revivesce nessa hora psicodélica em que o corpo sólido reverbera no céu.

O verão foi muito longo escreve o poeta de Praga, morto décadas antes de os ferros chegarem a Curitiba para fixarem as esquadrias do edifício Pedro Demeterco. Cada vez mais longo, as temperaturas altas resistem. O frio de outono se insinua, mas logo recua. Algumas folhas salpicam as calçadas, mal carimbam a estação, que só se deixou ver neste sábado ao expulsar as nuvens e ostentar um azul absoluto. Os jornais anunciam novas ondas de calor para o início de maio. Havia uma palavra para essa intrusão do calor no meio do outono ou do inverno: veranico. Palavra frágil, quase se quebra na boca antes de terminarmos de pronunciá-la, frágil demais para nomear esses dias em que parte do país ferve.

Tá tudo aí? A essa altura o quadro do primeiro parágrafo derreteu. Mal o Outono pôs o nariz pra fora teve de se recolher. As folhas que caíram torram a trinta graus Celsius, mal arrastam nas ruas sua canção quebradiça. Maio põe os pés em Curitiba claro como um dia de janeiro, o céu espalha um azul débil, caiado. Retilíneo, o sol enche o outono de quinas.

O rosa do Edificio Pedro Demeterco ainda está lá ou apagou-se sob a luz calcinante?

Teremos outono amanhã?


* Edifício Pedro Demeterco/Foto minha.

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