Café-pequeno

João Saldanha morou na capital do Paraná. Quem conta isso é o jornalista Luiz Geraldo Mazza em “Curitiba é ciosa do seu ócio?”, ensaio que li na fila de espera de um restaurante japonês. Saldanha passou por Curitiba em 1923 vindo de Alegrete. Era um piá de bosta ainda, como dizem por aqui, tinha seis anos. Virou carioca depois — ou “carioca sem perder o topete gaúcho”, como Rubem Braga o definiu. Parece que tomou gosto pelo futebol assistindo aos treinos do Athlético Paranaense, cujo campo era próximo de sua casa. Mas logo foi embora, talvez assustado com seu colega de primário, o futuro presidente Jânio Quadros. Só mais tarde se tornaria o técnico de futebol mais comunista do Brasil. Mazza também não nasceu em Curitiba, subiu a serra vindo de Paranaguá, mas desfez as malas aqui e aos 93 anos toma seu chope nos botecos desta capital, carregado de muita história. Paulistano, terminei esta noite estrangeira no japonês, coalhado de polacos.

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— Mas garante o meu emprego, respondeu, seca, a barista do café da Livraria Telaranha, de Curitiba, depois de eu reclamar da variedade de tipos de café do cardápio. Dei uma de tiozão chato? Dei. Do velho café coado servido em xicara branca de padaria demos no expresso (ou espresso?), na profusão de grãos e nas diversas doses disponíveis nas cafeterias contemporâneas. Sou um analfabeto barista confesso, triste pra quem bebe esse caldo quente etíope há quarenta anos, o dobro da idade da moça que me atendeu. Ristretto, lungo, doppio, macchiato, cappuccino, corretto, etc., um batalhão de consoantes que devo associar ao tamanho da dose que prefiro tomar, uma xícara de café cheia. Um expresso lungo, se aprendi algo. Prometo me comportar da próxima vez, jovem barista, seu emprego vale mais do que minha caturrice. Só não me venha com aquele pingo de café forte colado no fundo da xícara, dose que detesto, já engolida muita vez por me atrapalhar com a terminologia italiana.

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Volto a falar de café. O leitor releve. Dois episódios só e não falamos mais nisso. Encontros com amigos em São Paulo, no café da Livraria da Vila. No primeiro, éramos eu e o Marcelo Módolo. Em vez de eu pedir um expresso (ou espresso?) como fez o prudente Marcelo, mandei vir um mocha. Ao ver a bandeja da garçonete se aproximar, pressenti o desastre: uma xícara tradicional e uma taçona com um líquido espesso em três tons de bege. Bandeja na mesa, me apressei em dizer — Mas só queria aquele café com espuma de leite. A garconete suspirou: — O machiatto? Generoso, Marcelo tomou o mocha, com um sorrisinho ambíguo nos lábios. O segundo episódio envolveu o mesmo macchiato, só que desta vez quem se confundiu foi o Huendel Viana. Escaldado, pedi um expresso lungo, ele um “spumato”. Deu pra ver a garçonete sorrir por dentro antes de corrigi-lo: — Seria o macchiato? Veja como são as coisas, o Huendel errou acertando. Se esse bendito café se chamasse spumatto (dobrando um consoante, claro), acabariam os erros, a despeito da chiadeira italiana.

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Cabelos e bigodão tintos. Trinta e cinco anos de barbearia no Centro de Curitiba. Na Alameda Augusto Stellfeld, a barbearia Fênix renasce. Voou fugindo do caro aluguel do antigo imóvel na Visconde de Rio Branco, esquina com a Vicente Machado, entre o Centro e o Batel. O catarinense Leonir Pires sorri debaixo do bigodão: — Mudamos na hora certa!. Ele corta cabelo e apara geral, ainda oferece (e vende) mel e ovos deixados por seus clientes. Nos fundos do espaço ajeitado para a cadeira e o espelho de barbeiro, há uma porta falsa que dá acesso a sua casa. Três quartos dos seus fregueses subiram da Visconde até a melancólica Stellfeld, via nada receptiva ao comércio. Isso nao abala o proprietário da Fênix, enquanto arranca um longo e desajeitado fio branco de minha sobrancelha sexagenária.


* A foto foi extraida da (excelente) página do Instagram @ocentrodecuritiba

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