Da missa, a metade

O padre octogenário lê o Evangelho de João feito uma criança de nove anos. A catedral de Curitiba parece um salão de baile da terceira idade. A missa do meio-dia avança embrulhada numa quarta-feira gelada. Dois idosos surgem entre os bancos da assistência cada um empunhando uma salva, algo entre um enorme coador de café e uma rede de caçar borboleta, onde os fiéis jogam o dízimo — seguro firme a solitária moeda no meu bolso, que ali fica. Missa adiante, outros dois ajudantes seniores se encarregam de distribuir a hóstia enquanto o sacerdote aguarda o fim do ritual numa cadeira cujo espaldar ergue-se muito além de sua cabeça branca. Um dos raros jovens da assistência levanta-se para comungar. Durante a missa, ignorou a velha coreografia católica do senta-levanta, pelo que mereceu um olhar inquisitório da idosa a seu lado. Um vento frio vindo da porta lateral me obriga a puxar o gorro para cobrir as orelhas.

Na entrada da catedral, no patamar da escada que ergue-se do petit-pavê da praça Tiradentes, há um segurança de cerca de um metro e oitenta vestido com um impermeável preto. Isso explica a ausência de enjeitados ali e lembro-me de um conto do Sérgio Sant’Anna, em que um padre confisca as cem pratas que um morador de rua e personagem principal da história, Jesus, acabara de ganhar de Isaura, uma mulher desesperada a quem ele inesperada e milagrosamente consolara dentro da igreja. Na matriz de Curitiba, nem isso. Abro o guarda-chuva e esgrimo a garoa gelada de junho pensando onde almoçar.

* * *

— Que horas são? Sentado na poltrona sem pé da biblioteca do Sesc da praça Generoso Marques, no Centro de Curitiba, ele repete a pergunta de quinze em quinze minutos.

— Das quatro a seis, pergunta as horas, todos os dias, conta o bibliotecário.

Dorme num hotel para pessoas em situação de rua. Veste um casaco de moletom azul sobre uma malha cinza. O capuz cobre-lhe mal a cabeça. Acomoda-se com as pernas esticadas, sempre na mesma poltrona junto à estante dos livros de arte e música. Pergunta a um homem que lê jornal se trouxe biscoitos.

— Não, daqui a pouco servem o jantar no hotel.

Ele puxa o capuz e segue perguntando as horas, como um relógio.

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Leticia chega à meia-noite em casa e levanta-se às cinco em São José dos Pinhais. Faz isso há sete anos, desde que chegou de Cuiabá trazendo as duas filhas (Não se ouviu o nome do pai até o aeroporto Afonso Pena). Uma se casou, a outra mora com ela. Quase não se veem, quando chega ou sai a filha está dormindo. Letícia é motorista de aplicativo. Adora o frio de Curitiba, ri dos nativos que lhe perguntam se a cidade mato-grossense tem onças na rua e florestas à sua volta. — Só tem soja, derrubaram tudo, ela diz, enquanto corta os carros na avenida das Torres.

Desejo-lhe boa sorte, que o tempo não lhe seja curto, sete anos servindo aplicativos e pronto.

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