O padre octogenário lê o Evangelho de João feito uma criança de nove anos. A catedral de Curitiba parece um salão de baile da terceira idade. A missa do meio-dia avança embrulhada numa quarta-feira gelada. Dois idosos surgem entre os bancos da assistência cada um empunhando uma salva, algo entre um enorme coador de café…
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Pracabá
I. Um paisagista no Copan Um metro e oitenta e pouco, nariz clássico, barba e cabelos encaracolados e pretos. Bonito. -- Sou descendente de sírio-libaneses, disse. O nome, meio grego, não conseguimos entender. Vestia roupas escuras e segurava um saco de lixo preto, de sessenta litros, quase vazio. A sola dos pés e os dedos…
Guerra e paz
-- Eu quero paz! -- Você é chinês ou japa, caralho?. Uma pomba bica um colchão murcho sob a marquise do antigo prédio da Prosdócimo, na rua Cruz Machado, no Centro de Curitiba. Faz quase trinta graus. Ando em ziguezague, atrás de sombra, um tabuleiro de xadrez escaldante. A primeira frase acima ouvi de um…
Mapa incidental
Marginal Tietê -- Se o senhor ganhasse na loteria, faria o quê? Mal terminou a pergunta, esterçou o volante, mudando de pista. O táxi saltava de uma faixa pra outra como um gato, despertando a marginal Tietê às seis da manhã. Antes de chegarmos na Vila Madalena, conheci as artimanhas do mundo financeiro. Ex-gerente de…
Velha história
Um truque para começar uma crônica é falar do clima. Ainda mais em Curitiba. "Ai, que frio!", desabafa o cronista, batendo o queixo, esfregando as mãos, abotoando o casaco até o gorgomilo, colando o cachecol no pescoço. Daí inicia com o bafo gelado do El Niño, desce para os efeitos deletérios na saúde, os dramas…
O amigo colombiano
Um colombiano esguio como uma escultura de Giacometti abordou-me num domingo à noite. Escurecido pela pátina que a cidade lhe deposita todos os dias, pediu-me alguns trocados. Éramos ele e eu na rua vazia. Manteve-se à distância, à espera da minha devolutiva, fixando os olhos numa roleta imaginária onde giravam as palavras sim e não.…
O moinho e a bala
Dando tiro pra tudo quanto é lado, o povo da rua vai tentando driblar a mó que há séculos os tritura sem descanso. De uns tempos pra cá o povo da rua tá bombando. Mais gente dormindo na calçada, mais homens e mulheres e crianças vendendo frutas, legumes, protetores de celular e – acima de…





