Praça de diversões

— Não é praça, é parque de diversões — destilou Apulcro.

Expliquei pra ele, é por causa do clima festeiro na praça. Sexta-feira, trinta de junho, dia de São Pedro, esqueceu?

— Joguinhos de linguagem, essas frescura — resmungou.

A praça é a Osório. No inverno, todo ano, ela sai do chão com as barracas de artesanato e comida. O relógio no fim da Luiz Xavier marca o ponto de partida da feira. É a chance de eu comer acarajé. A barraca da Bahia mata a saudade de me afogar no bolinho de feijão com vatapá. Cidade com poucos nordestinos, sofremos de inanição cultural dessa Região.

— Curitiba é uma bosta? tá fazendo aqui o quê, paulista — choveu perdigoto da boca do Apulcro.

O leitor conhece meu amor pela cidade, mas alagoanos, baianos, cearenses, maranhenses, paraibanos, pernambucanos, piauienses, potiguares e sergipanos fazem uma falta da moléstia.

— Sem eles, São Paulo, cidade onde nasci, seria um bloco de fumaça e concreto imorável.

— Eita palavra feia — mandou o Apulcro. Ri baixinho, hoje é dia de usar até não poder mais o sufixo -vel

Um totem de balões roliudianos flutua sobre o chafariz central da praça. Cabeças de personagens infantis metalizadas apoiam os queixos uns nos outros, amarrados a um fio invisível: Minnie, Mickey, Mario Bros, Galinha Pintadinha, Homem Aranha, minions, dinossauros entre outras figuras que desconheço. Uma espécie de marco pop da feira. A seus pés, o povo se acotovela em torno da fonte. Quase tropeço num carrinho copilotado por uma criança emendada a uma bola de plástico transparente riscada por fios de néon. Tronco empinado, a criança encarna um Vasco da Gama pós-moderno, olhos vidrados no balão e nas pernas e coxas à frente, que desbravava infreável.

— De novo esses sufixo! — mimimizeia o Apulcro.

Contorno o pequeno navegante pop, sigo driblando o petit-pavê cariado, até as narinas captarem sinais de quentão no ar.

— Explica pros teus paulista como é nosso quentão, explica — pede Apulcro, bem-humorado como o djanho.

O paulistano chama de vinho quente o que o curitibano chama de quentão. Nas ruas, não se acha o quentão paulista, feito de cachaça e gengibre. Em compensação, há sempre um ambulante com uma panela cheia de vinho no fogo, de julho a agosto, nas ruas do Centro. Vendem uma versão com marshmallow, que nunca entendi nem experimentei. Na feira, os quiosques vendem a dez reais um copo de plástico tamanho americano da bebida bordô. Encontro uma barraca menos cheia, separada da muvuca, quase escorregando para Comendador Araújo, do lado oposto do relógio da Luís Xavier.

— Com ou sem álcool? — o puritanismo avança em todas as frentes.

— Com álcool.

De copo na mão, giro cento e oitenta graus e vou rumo ao calçadão da XV. Espio as saltenhas bolivianas, contorno o choripan portenho, ladeio o acarajé soteropolitano, debruço-me sobre o burrito mexicano, súbito freio atrás de um polvo azul e branco agarrado a um ombro estático na fila do pastel.

— OI?! — tosse Apulcro.

Um sujeito veste um casaco de moletom impagável. Os tentáculos do cefalópode descem expandindo-se para os lados, ocupando a largura toda do tecido, até um pouco mais da metade do moletom. Conforme o ângulo, confundem-se com largas fitas do Senhor do Bomfim. É uma festa, acelerada pelos cabelos platinados do usuário chavoso.

Volto à tona, minhas pernas reagem e seguem. Quase no fim da feira paro para admirar uma pilha de pinhas de araucária: grandes bolotas verdes, desenhadas por centenas de gomos levemente espinhentos, formados pelos pinhões. Grandes, imagino o tamanho das araucárias de onde foram colhidas. Não resisto e compro uma, mais um saco de pinhão solto. Apulcro começa a desfiar as propriedades da semente símbolo do Paraná, mas não escuto.

Saio da feira atraído pelo néon dos brinquedos expostos por um camelô perto do relógio da Xavier. Crianças saltam, tentam apanhar um objeto luminoso que sobe e desce no escorregador escuro da noite. Noite de festa.

Im-per-dí-vel.

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