
Quem acompanha o Letra Corrida sabe que apanho o Bracatinga pra ir e vir do Pilarzinho ao Centro, do Centro ao Pilarzinho. No centro, a grande lata amarela ainda-com-motor-ao lado-do-motorista encosta na Travessa Nestor de Castro, via que comunica a Barão de Serro Azul a Augusto Stellfeld.
De modesta travessa provinciana, a Nestor de Castro foi remodelada na década de 1960. Com três quarteirões, alcança uns 150 metros, se tanto. Mas de largura, impõe respeito: oferece cinco pistas pra carros, motos, carrinheiros, bicicletas, ônibus, eventuais cachorros e pombas marvel.
Abre uma clareira de asfalto no velho centro de Curitiba.
Pra baixo, à esquerda, o leitor dá no Marco Zero da cidade: a praça Tiradentes, onde está a basílica, outro terminal de ônibus, e a estátua do famigerado inconfidente virado em herói pelos republicanos.
Pra cima, à direita, está o Largo da Ordem. Brinco urbano, onde se conserva parte antiga da cidade. Ali fica a bela igrejinha dos pretos, na rua do Rosário, e o bebedouro de pedra, em que os antigos tropeiros estacionavam seus carroções pra matarem a sede da alimária.
Pra compensar o talho feito na metade do século XX, em 1996 um alcaide desses pediu ao Poty Lazarotto que criasse um painel para instalar-se ali. Dos dois lados da Travessa.
O famoso ilustrador das obras de Guimarães Rosa e Dalton Trevisan criou o que chamou de “Imagens da cidade”. À esquerda da travessa, entre araucárias, gralhas azuis, casas polacas, Poty espalhou figuras de trabalhadores por todo o painel de quase 50m. Subliminarmente pincelou várias placas (bem atuais, diga-se) de proibido “machadar”.

À direita, o painel ilustra o Largo da Ordem. Convexo, narra liricamente a história desse brocado urbano. Uma camponesa de costas braceja – no primeiro plano à direita – dois balaios de mantimentos. Ao fundo e ao centro do painel, vê-se o Largo pra onde ela vai. À esquerda, em primeiro plano de novo, fechando o arco, um carroção completo, em cujo extremo um melancólico burrinho mata a sede no famoso bebedouro.
Hoje, 2019, debaixo das personagens do painel e em meio ao gás carbônico reinante uma galera dá um novo tom a essa passagem moderna. Uma sequência de bares, padarias, lanchonetes, entremeada por cabeleiros e lotéricas atrai a turma do dinheiro contado. E as do sem-dinheiro-algum-mesmo. A Shannon cabeleiros faz charme entre a padaria hippie Mascavo e Mel e a isentona Pão de Queijo Lanches. Na extrema esquerda, uma simpática família cantonesa tem um bar minimalista em produtos ao lado dos sírios do Al Beck, onde rola e se enrolam shawarmas deliciosos. Há mais dois botecos gerenciados por chineses, cuja procedência meu nebuloso mandarim não identificou.

Trav. Nestor de Castro com painel ao fundo/Foto: EVM
Na extrema direita desenrola o tráfico, gerido por um time hétero-LGBTQ+ de adolescentes, com figurino hip hop – bonés, moletons, hairs raspados e coloridos, mais tênis da hora. Rodeados de noias e lúmpens, oferecem seus produtos e teletransportam-se à chegada da guarda municipal ou da PM. Às vezes vacilam, tomam uma blitz e são levados no chiqueirinho sabe-se lá pra onde. Nos pontos de ônibus, os passageiros espiam a atividade toda com assustadora neutralidade.
Nestor de Castro talvez gostasse disso tudo. Jornalista do Dezenove de Dezembro (1854-1890) – periódico que inaugurou a imprensa no Paraná – co-fundador da Galleria Ilustrada (1888-1889), “segunda revista impressa em processo litográfico no Paraná”, Castro animava as páginas dessa Galleria com muita imagem, ilustrações e reproduções de clássicos, como permitia a impressão à pedra (ou metal) vinda da Europa. Além de pretender-se moderníssimo, como é hoje a travessa que leva seu nome.
Para o bem e para o mal.
Olá meu caro, boa noite. Acabei Muuito boa!! Observação incrível, originalidade, pitadas de humor, vocabulário impecável e até erudito, olhaaa, parabéns!! Vai dar livro na certa, e por favor! 👏🏻👏🏻👏🏻
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado, Lourdes! Que venha o livro!
CurtirCurtir
ops, o corretor entrou onde não devia, alterou o texto acima, não percebi e agora não consigo arrumar..perdoa aí, Professor.
CurtirCurtir