Cubículo cultural

“– Licença, vou ao banheiro”, arrasto rápido a cadeira pra trás, uma esbarrada no ombro do vizinho, as pernas avançam para o corredor que me leva para os fundos do bar. Escapo assim da conversa aborrecida, do lero-lero do narciso de boteco, duma saia justa ou do tédio por não querer estar ali, mas na cama. Quase sempre a culpa é minha, quem mandou ficar até aquela hora?

Na ida ao toalete, porém, ocorre uma reviravolta, um plot, como dizem hoje. Por graça ou delírio do dono, o cubículo vira espaço cultural. Desde Pompeia, isso, dizem. Decoram-se as paredes, o vaso, o teto segundo a corrente estética ou etílica do taberneiro. Um bar aqui de Curitiba perto do Museu Oscar Niemeyer tem uma mosca desenhada na cerâmica do vaso sanitário. Está no centro de um alvo para orientar os machos a mijarem no lugar certo. Da primeira vez, a imagem muito realista distrai o atirador do sentido da mensagem. Na segunda ou terceira vez, com quanto copos for, o macho mais tosco acerta na mosca.

Outro bar, encaixado em uma esquina da Visconde do Rio Branco, nas Mercês, cobriu as paredes da casa de banho com partituras. Os minutos que ficamos a sós escorrem ao embalo de claves de Sol, colcheias, fusas e semifusas. Um estudante de música pode esquecer-se ali, a solfejar; um leigo, viajar nos sinais que escalam as linhas da pauta. Voltamos à mesa, mais sustenidos, prontos pra mudar o tom da conversa.

Em um boteco embutido em outra esquina da Visconde, é possível conhecer a Curitiba de 100 anos atrás. Um mapa (A planta de 1927 de Curityba, como reza o título) ocupa um quarto da parede do banheiro e instrui o botequista apertado. É um fac-símile, suponho, pois não dá sinais de uma vida centenária. A carta revela uma comarca acanhada. Regida por vias simétricas, boa parte delas escapa do centro para o bairro perdendo fôlego em menos de vinte quadras. Certinha no papel, desconcerta-se quando retornamos ao presente sob o tráfego de vozes e sons que arranham o ar do estabelecimento.

— Fica aí, toma mais uma, a saideira – revigorado pela reviravolta dos toaletes, emendo a noite em mais um chopp ou dois, adiando o desfecho. Ficarei esperando para ver no que isso vai dar. Fique à vontade para ir ao banheiro.

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