EVM um dia acordou de um sono colorido e viu-se cercado de bichos. Espécime urbana, menos de uma década de vida, o pivete esbarrava em pardais, ratos, lagartixas, formigas, araras, pássaros pretos e sabiás engaiolados, além do Chico, chimpanzé enjaulado no parquinho do clube em que EVM passava boa parte do seu expediente de criança.…
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Noite na Taberna
Chegaram chegando. O primeiro balançava um barril de álcool nas entranhas. O outro era ligeiro, e se bebia, o esqueleto enxuto não o entregava. O bar fervia. As mesas subiam nas cadeiras, as cadeiras corriam pelos balcões, os balcões dançavam nas escadas, copos e garrafas flutuavam por entre cabeças sem corpos. Litros de paganismo derramavam-se…
O céu que nos dirige
O Primavera ia deixando o ponto pra trás. Parou bruto diante do braço esticado no ar. Abriu a porta, as pernas subiram ligeiras os degraus, a máscara agarrou-se do jeito que pôde ao rosto e um "obrigado!" abafado mal alcançou os ouvidos do motorista, que já engatava a primeira pra sair. O Pilarzinho ia perdendo…
Pescadores de trocados
Reencontrei Martim, elegante pescador de trocados da Travessa Nestor de Castro. Preto, espigado, guarda carros e motos numa tira de asfalto junto à trincheira que costura a Castro na Augusto Steinfeld. Cordato, penteia as palavras antes de soprá-las em nossos tímpanos. Conversa fácil, sorriso felino, temi por ele na pandemia. Martim reclamou do preço das…
Admirável mundo cão
Quando era menino havia vira-latas e cachorros de raça. Aqueles nas ruas, estes nos quintais. Em casa, nunca puseram as quatros patas. Minha mãe tinha de dar conta de meia dúzia de crianças, soltaria os cachorros em quem propusesse adotar um. Meu pai gostava pra cachorro era de passarinhos. Meu convívio com canídeos rolava fora…
Relatos Selvagens
Viram as aves que despencaram do céu de Chihuahua, no México? Uma revoada retinta derrapou na linha dos telhados e desmanchou-se nas ruas. Segundo a imprensa local, eram graúnas-de-cabeça-amarela fazendo uma murmuration, ou seja, um balé sincronizado protagonizado por milhares de dançarinas penadas. Muitas morreram ao chocar-se nas amigas, outras conseguiram arremeter e retomar a…
Um cronista perdido numa noite limpa
A São Francisco deslizava metálica até a Presidente Farias. Fachadas, asfalto, luminárias e calçadas trocavam os reflexos que caíam-lhes da lua cheia. Aqui e ali, humanos cortavam esses sinais, vagando pela rua vazia. Poucos bares ligados, o veterano Joker era um dos raros que abrira as portas nesse sábado prateado. Camaleão, bar calouro, pelo menos…
Ano corrente
Nao foi fácil pisar em 2022. Tipo tocar os pés pra sentir-lhe a temperatura. Seguir ou não seguir adiante? Tenso, pois quando tudo parecia que ia dar certo, arruinou. A ômicron fulminou com o barato da volta às ruas uma semana depois do réveillon, contaminando meio mundo literalmente e derrubando carnaval e afins. Não bastasse…
Passeio Público
Domaram o passeio público. Sumiram com os pedalinhos, com a bicicletaria e o restaurante Pasquale. O prefeito vetou a cerveja e a caipirinha que tomávamos em frente ao lago. Há pipocas com bacon, balões e balanços para as crianças. Não vi putas nem michês. Talvez estivessem atendendo clientes. O povo da jogatina lixava com cartas…
O amigo colombiano
Um colombiano esguio como uma escultura de Giacometti abordou-me num domingo à noite. Escurecido pela pátina que a cidade lhe deposita todos os dias, pediu-me alguns trocados. Éramos ele e eu na rua vazia. Manteve-se à distância, à espera da minha devolutiva, fixando os olhos numa roleta imaginária onde giravam as palavras sim e não.…









