O dia não está instagramável. Flopou geral. Enfiou-se numa geladeira cósmica com a gente tudo dentro. Cenário e figurinos trabalhados no cinza chumbo, cinza melancolia, cinza depressão. Opa, freezando, antes de isso acabar numa urna funerária. É hora de puxar outro neologismo das entrelinhas, e photoshopar o ambiente pra seguir o dia e biscoitar algo…
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Celulódromo
O centro de Curitiba virou um Celulódromo. A cada três lojas, quatro são de acessórios de celular. Paro diante de uma. O letreiro em néon repete hipnoticamente as ofertas do dia. Dentro, um desespero de capas de celular. As cores berram -- verde-limão ligado no duzentos e vinte, azul boate puxado pro lilás, amarelo pikachu,…
Bater perna
"O seu time está preparado para bater metas?", buzina a placa publicitária na rua João Negrão. Um homem de camiseta regatas carrega um botijão nas costas. Um guarda municipal mancha um amontoado de cobertores e trapos com sua sombra. Um apito soca o ar, uma van dá ré na vaga em frente à marquise ocre…
Daltonbloomsweek
Semana passada juntou o aniversário do Dalton Trevisan com o Dia de Bloom, quatorze e dezesseis de junho. Mas quase nada se falou sobre isso em Curitiba. Do Dalton, só vi uma nota na página da Biblioteca Pública. O escritor pisou firme nos 97 anos e, segundo dizem, tem publicado uns livretes distribuídos apenas entre…
Velha história
Um truque para começar uma crônica é falar do clima. Ainda mais em Curitiba. "Ai, que frio!", desabafa o cronista, batendo o queixo, esfregando as mãos, abotoando o casaco até o gorgomilo, colando o cachecol no pescoço. Daí inicia com o bafo gelado do El Niño, desce para os efeitos deletérios na saúde, os dramas…
Cubículo cultural
"-- Licença, vou ao banheiro", arrasto rápido a cadeira pra trás, uma esbarrada no ombro do vizinho, as pernas avançam para o corredor que me leva para os fundos do bar. Escapo assim da conversa aborrecida, do lero-lero do narciso de boteco, duma saia justa ou do tédio por não querer estar ali, mas na…
O céu que nos dirige
O Primavera ia deixando o ponto pra trás. Parou bruto diante do braço esticado no ar. Abriu a porta, as pernas subiram ligeiras os degraus, a máscara agarrou-se do jeito que pôde ao rosto e um "obrigado!" abafado mal alcançou os ouvidos do motorista, que já engatava a primeira pra sair. O Pilarzinho ia perdendo…
Pescadores de trocados
Reencontrei Martim, elegante pescador de trocados da Travessa Nestor de Castro. Preto, espigado, guarda carros e motos numa tira de asfalto junto à trincheira que costura a Castro na Augusto Steinfeld. Cordato, penteia as palavras antes de soprá-las em nossos tímpanos. Conversa fácil, sorriso felino, temi por ele na pandemia. Martim reclamou do preço das…
Admirável mundo cão
Quando era menino havia vira-latas e cachorros de raça. Aqueles nas ruas, estes nos quintais. Em casa, nunca puseram as quatros patas. Minha mãe tinha de dar conta de meia dúzia de crianças, soltaria os cachorros em quem propusesse adotar um. Meu pai gostava pra cachorro era de passarinhos. Meu convívio com canídeos rolava fora…
Um cronista perdido numa noite limpa
A São Francisco deslizava metálica até a Presidente Farias. Fachadas, asfalto, luminárias e calçadas trocavam os reflexos que caíam-lhes da lua cheia. Aqui e ali, humanos cortavam esses sinais, vagando pela rua vazia. Poucos bares ligados, o veterano Joker era um dos raros que abrira as portas nesse sábado prateado. Camaleão, bar calouro, pelo menos…









